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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Sonho #3

Blue Lagoon
 
 
Como com todos os sonhos, é sempre melhor e pior do que se esperava.
A parte da lagoa mais bonita estava fechada, suponho que porque havia menos gente.
A Islândia inteira cheira a enxofre e a Lagoa Azul muito em particular. Mas é tal e qual como a coca-cola, primeiro estranha-se e torce-se o nariz, depois entranha-se e habituamo-nos.
Como, perguntarão? O cheiro a enxofre é provavelmente o pior cheiro do mundo, e talvez por isso e também por vir de debaixo da terra, seja associado ao demónio. Apelidei a Islândia de Bom Inferno, porque cheira a enxofre por todo o lado, mas as suas gentes são pacíficas e agradáveis e o país é um Paraíso gelado escondido nos mares do norte do Atlântico. Se tivesse deslizado no mapa-mundo um pouco mais para baixo, seria os Açôres, e vice-versa, se os Açôres tivessem navegado mais para norte, seriam a Islândia.
Antigamente, dizem-me, a Islândia estava, tal e qual os Açôres, cheia de árvores. Depois os vikings começaram a desbastá-las todas e a cortá-las para construírem os seus barcos guerreiros que atravessariam os mares até ao continente americano para conquistarem e pilharem outros povos. A Islândia acabou por ficar despida de verde. Dizem-me também que está em curso um plano de reflorestação em determinadas zonas e que isso irá alterar por completo a paisagem lunar islandesa. Quem a visite daqui a 10 anos, tempo de as árvores crescerem, conhecerá uma outra Islândia.
Eu conheci uma Islândia plena de constrastes, mas sempre nua. Ou branca de neve e gelo, ou negra de lava solidificada, ou multi-acastanhada de rochas de diversas naturezas. O céu, esse, é sempre o mesmo e muito parecido com o nosso - azul pontilhado por grandes nuvens brancas.
Talvez regresse em dez anos, para ver duas coisas que não consegui - as baleias e a aurora boreal. A caça às baleias deu apenas em 3 golfinhos tímidos e fugazes e a aurora boreal fez-se difícil por causa do tempo neblinado.
Cumpri, isso sim, o meu sonho, nadar nas quentes águas da Lagoa Azul, ao final da tarde. São mesmo quentes. Cerca de 38ºC. É fantástico. Cá fora estão 10º e lá dentro um forno. E são mesmo azuis. Um azul indigo forte e vaporoso. Vale a pena.
 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

SONHO #2

THE DREAMCATCHER



Londres. 25 de Setembro de 2013. O2 Arena. O meu segundo sonho estava prestes a concretizar-se. Cerca das 20h20, com 20 minutos de atraso porque aos deuses são permitidas estas coisas, os Fleetwood Mac subiram ao palco. A 18 filas de distância, levantei-me juntamente com o resto dos milhares de pessoas que aguardavam comigo, e nunca mais me sentei durante as cerca de duas horas e meia que durou o concerto memorável.
Posso nunca mais ver ninguém ao vivo na vida, que fico contente. Acabei de ver 4 deuses em palco, no seu melhor, maduros e exímios. Aliás 5, porque no fim do concerto havia uma surpresa - Christine McVie veio cantar uma canção com os seus ex-companheiros - Don't Stop.
Os Fleetwood Mac cumpriram e superaram todas as minhas expectativas. Cometi uma loucura, paguei uma barbaridade para ir vê-los e aproveitei para regressar a Londres e por lá ficar 4 dias, mas sabia que se não os visse agora poderia nunca mais vê-los. Estão velhos, mas não cansados. De todo.
Stevie Nicks tem, aos sessenta e tal anos, uma voz dourada, encorpada, que amadureceu como só os melhores vinhos podem fazê-lo. Não esperava. Confirma-se, ela não é uma mulher, é uma deusa deslumbrante, um animal de palco sem precisar sequer de se mexer muito. A sua personalidade, as suas roupas de cigana e a sua voz enchem a alma como pouca gente consegue.
Lindsey Buckingham presenteou-nos com vários solos estarrecedores, parecendo ainda ter literalmente vinte e tal anos. Soberbo.
John McVie agraciou-nos com a sua sobriedade discreta e genial.
Mick Fleetwood foi verdadeiramente bombástico, parecia um pequeno gnomo em fúria sentado por trás da sua bateria. Gritava "Are you with me?", numa voz rouca de avô do rock e nós gritávamos a plenos pulmões "YESSSSSSS!!!!!"
Depois de 3 encores, Stevie veio ao palco dizer umas palavras. Disse que ao fim destes anos todos reflectia sobre nós, o público, e percebeu que éramos como aqueles dreamcatchers dos índios americanos. Apanhávamos os sonhos que eles produziam e devolvíamo-los. Foi muito bonito. Outra coisa não se esperava de uma das maiores poetisas que o rock já conheceu.
Regressei feliz e plena. Tive o privilégio de ser uma vez na vida uma dreamcatcher dos Fleetwood Mac.

SONHO #1

IF I CAN MAKE IT THERE ...


Quis que a minha primeira viagem a solo fosse precisamente a Nova Iorque. Se eu conseguisse sobreviver sozinha a Nova Iorque, conseguiria sobreviver a tudo.
Deixo Nova Ioque pela terceira vez na vida. E ao deixá-la de novo, tenho pela primeira vez um vislumbre dela a várias centenas de metros de altitude, de noite. E apercebo-me que ela se assemelha a uma daquelas miniaturas de vidro multifacetado que, atravessadas pela luz, reflectem todas as cores do arco-íris.
Lá está o Empire State Building com a sua aura branca, o Chrysler, com a sua aura azulada, o vermelho dos edifícios onde decorre o novo concurso género Quem Quer Ser Milionário apresentado pelo Ryan Seacrest do American Idol, e as multicores dos anúncios da Times Square. Uma pequenina e deslumbrante jóia colorida no centro da escuridão.
E percebo que Nova Iorque é uma lindíssima, maravilhosa, pequena maçã demasiado madura (para não a chamar "podre"). Porquê demasiado madura? Porque o cheiro de Nova Iorque é o de lixo orgânico, toneladas dele, despejadas todos os dias pelos milhares de restaurantes, empresas, pessoas e turistas que por lá deambulam.
Apercebi-me disso pela primeira vez quando o meu nariz ficou subitamente mais sensível, após uma noite interminável de vómitos causados pela mostarda de uma sanduiche gigantesca composta por 15, 15! camadas de carne de vaca finas como folhas de papel, o ex-libris de uma das mais famosas Delis nova-iorquinas - Carnegie Deli.
Comparei uma vez Nova Iorque a Florença, porque em ambas somos constantemente convidados a olhar para cima - em Florença graças aos seus deslumbrantes tectos pintados e esculpidos pelos mais talentosos artistas da Renascença, em Nova Iorque por causa dos seus canyons feitos de vidro e aço e pedra, como cantam os U2 nesse hino magnífico chamado "The Hands that Built America". E agora poderei estender a comparação também ao cheiro - onde a bela cidade italiana cheira a massa doce acabada de cozer, por onde quer que andemos, Nova Iorque cheira ao extremo do espectro odorífero - comida podre.
Isso tira-lhe o encanto? Jamais!
Basta que nos habituemos. Um dia apenas e nunca mais pensamos no assunto.
E Nova Iorque cumpriu. Sempre. Aquela cidade nunca me desaponta.



Foi muito bom regressar. Primeira paragem obrigatória, já se tornou um ritual - olhar aquela que é para mim uma das maravilhas do mundo moderno: a vista do topo do Empire State Building, esse decano majestoso, sóbrio e eterno que se ergueu apenas por uns tempos de novo mais alto sobre todos os seus parentes. Agora é suplantado novamente pela Liberty Tower que abrirá as suas portas no próximo ano (já tenho mais uma desculpa para regressar de novo brevemente).



Segunda paragem, quase por acaso - o sítio da tragédia. As "footprints" das duas torres desaparecidas são dois poços negros cujo fim não é possível ver e para onde escorrem cascatas de água. No perímetro à volta encontram-se inscritos os nomes de todos os que desapareceram com elas. Rosas brancas enfeitam aqueles que fariam anos nesse dia.



É um espaço de respeito, onde o burburinho da multidão de visitantes é abafado pelo rumorejar dos litros de água que escorrem incessantemente para dentro das pegadas negras. O folheto indica a presença de um ser que poderia passar completamente despercebido - The Survivor, foi o nome que deram à única árvore que sobreviveu ao desastre, que definhou e que depois recuperou noutro local e foi devolvida ao seu sítio. Pequena, verde, amparada por algumas estacas que a protegem, A Sobrevivente permanece como um testemunho comovente e frágil de todos os que se esfumaram nesse dia.



Terceira Paragem - Brooklyn. Atravesso para o outro lado de autocarro para fazer o que nunca tinha feito antes - atravessar a magnífica Ponte de Brooklyn a pé. Demoro cerca de 40 minutos, com algumas paragens pelo meio e muitas fotografias arquitectónicas e paisagísticas no entretanto. O meu coração rejubila mas fica também melancólico. A magnífica vista do skyline novaiorquino ficou mais pobre sem as torres. Talvez seja apenas a impressão de uma mente habitualmente saudosista, mas a verdade é que tenho saudades daquelas duas sentinelas esguias, altivas e quase alienígenas.



Quarta paragem - outra coisa que nunca tinha feito. Qual é a única coisa que não se consegue ver do topo do Empire State Building? O Empire State Building, claro! Então, nesse caso, sobe-se ao Top of the Rock, no topo do Rockefeller Center, para reparar essa falta. A vista é uma novidade para mim e aprovada. É mais baixo do que o ESB e portanto a perspectiva é diferente.



Quinta paragem - fazer uma tour de autocarro à noite. Enquanto o guia italo-americano conta várias curiosidades engraçadas sobre a cidade no seu sotaque demasiado parecido com qualquer dos personagens de Goodfellas, encolho-me de frio e medo das alturas e preparo-me para atravessar a Ponte de Manhattan a algumas centenas de metros do nível da água, a céu aberto. A vista deslumbrante faz-me esquecer completamente o terror que sinto das alturas.



Sexta paragem - missão verde: descobrir todas as estátuas de interesse do Central Park. Missão cumprida, com uma lamentável falta - apesar de ter procurado incansavelmente, e mesmo com indicações de alguns nativos, não consegui avistar a Still Hunt, a pantera congelada que espreita os joggers algures na parte sudoeste do parque. Fica para uma próxima.



Sétima paragem - atravessar o rio no ferry de Staten Island. É de borla e promete uma vista panorâmica sobre a Estátua da Liberdade e a cidade. Quero todas as perspectivas e portanto embarco. O passeio é agradável e é sempre com um sorriso que acenamos a Miss Liberty.



Oitava paragem - aventuro-me, apesar do meu medo das alturas e de voar e ... decido arriscar uma viagem única a bordo de um helicóptero. Sem querer, calha precisamente no aniversário do 11 de Setembro. Embarco com algum receio mas depressa o descontraído piloto me põe à vontade. Mereço ainda uma cereja no topo do bolo - como vou sozinha, ganho um lugar no cockpit, ao lado do piloto. Com uma mão firmemente agarrada ao manípulo da porta, seguro na máquina com a outra mão e disparo sem parar. Estou deslumbrada. Em breve a mão deixa de ter se de agarrar. Não custa nada. É divertidíssimo e muito mais giro do que voar de avião. Desço com vontade de voltar a subir.



Última paragem - antes do regresso, mais uma visita da praxe ao Empire, para olhar a magnífica vista do final da tarde a transformar-se em ocaso e, finalmente, na deslumbrante noite.



Deixo Nova Iorque como sempre a deixo - com uma sensação de plenitude e alegria. Nova Iorque faz-me bem. É, apesar de toda a confusão e loucura ou, se calhar por causa disso mesmo, estranhamente, o único outro sítio (para além de Lisboa) de todos os que já visitei no mundo, onde me sinto em casa. As palavras do escritor Tom Wolfe ecoam na minha mente:
"Pertencemos a Nova Iorque instantaneamente. Pertencemos-lhe tanto em 5 minutos, como em 5 anos."
Comigo isso sempre foi verdade.
I'll see you again, soon.