sábado, 18 de janeiro de 2014

MAÇÃS

 
 
Somos como maçãs. Exactamente como maçãs.
Nascemos em árvores que são as nossas mães, crescemos nos seus ventres de resina amniótica e caímos pelos troncos das suas pernas abertas para tombar nos chãos dos pomares das vidas que nos estão designadas.
Como maçãs, começamos por ser verdes e rijos, um pouco insípidos no início e inodoros, porque ainda não fomos regados pelas vicissitudes da vida que nos darão aromas e cores variadas.
Como maçãs, somos colhidos (às vezes como os touros) e vamos amadurecendo a diferentes ritmos consoante a nossa qualidade.
Como maçãs, há infinitos tipos de nós, com diferentes graus de amadurecimento e diferentes qualidades.
Uns de nós permanecem mais verdes durante mais tempo.
Outros há que apesar de parecerem verdes no exterior, enganam porque quando são descascados revelam maleitas várias.
Há os que amadurecem todos por igual, exterior e interior.
Há os que amadurecem serenamente, outros mais rapidamente.
Haverá também quem pareça durar para sempre, exalando um suave e doce aroma que teima em não se extinguir.
Como as maçãs, se nos quiserem, deverão comer-nos (literal e metaforicamente) a tempo, ou corremos o risco de ser abandonados, sem termos cumprido a nossa função na totalidade.
Como maçãs, podem trincar-nos sem nos descascar, comer-nos nus, assar-nos, misturar-nos em salada com outras frutas, fritar-nos para acompanhamento gourmet, usar-nos como sobremesa, entrada ou prato principal. Podemos ser "uma maria vai com todos" ou altamente selectivos. Talvez dependa isso em grande medida dos temperos que nos adicionem, leia-se, os carinhos ou insultos com que nos presenteiem.
Como as maçãs, todos acabamos por começar a apodrecer. É esse o fim inevitável de uma maçã, tenha ela a qualidade que tiver. Lentamente, inexoravelmente, com diferentes tempos, toda a maçã apodrece. Não é algo bonito de se ver (como se comprova pela fotografia que acompanha estas palavras), nem de se cheirar. Mas é algo inevitável. Apodrecer no verdadeiro sentido da palavra. A nossa pele, os nossos órgãos, as nossas funções, as nossas células começam a dar de si, a cansar-se, a desistir ou a ser acometidas de fungos, bactérias, vírus, cancros, e a "cheirar mal".
Isto estaria tudo muito bem, não fosse uma pequena diferença que nos distingue das maçãs. Uma diferença que faz toda a diferença.
Felizmente para as maçãs, elas não são providas de cérebro e, portanto, não podem assistir nem ao seu próprio apodrecimento nem ao das suas colegas maçãs com quem partilharam os pomares das suas vidas.
Nós podemos. E tentamos, com os nossos intrincados, complexíssimos, complicadíssimos cérebros rodear a questão. Inventamos filosofias e religiões que nos fazem acreditar que há vida depois da podridão, onde o verde persistirá eternamente, inventamos palavras e emoções como "amor", "felicidade", "espírito", "justiça". Somos capazes de ir à lua e voltar para enrolar os simples factos da vida para os quais a nossa inteligência não encontra justificação que nos satisfaça - tal e qual como as maçãs, nós apodrecemos. Ponto.
Não há outra maneira para dizer a coisa.
Lamento.

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