terça-feira, 4 de setembro de 2007

OS LIVROS DE ANDRÓMEDA - PARTE I

Livro de Crónicas
António Lobo Antunes
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"O grande homem
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Soube que era um génio quando comecei a encontrar o romance nas montras das livrarias: quando o retrato principiou a aparecer nos jornais; quando dei a primeira entrevista à televisão. Consciente da minha celebridade e do meu talento pareceu-me injusto não sair para a rua de pé, em carro descoberto, cercado por guarda-costas de óculos ray-ban, a mostrar-me e a abençoar.
Decerto que ao passar, num cortejo lento com motociclistas à cabeça, os homens tirariam o chapéu a persignarem-se, vergados de respeito, decerto que algumas velhotas ajoelhariam a rezar. Convicto da minha fama e da admiração dos contemporâneos resolvi, como era agosto, oferecer à Praia das Maçãs a dádiva da minha presença, seguro de aplausos, autógrafos, interjeições extasiadas e gritos de fãs à beira do desmaio.
Cheguei por alturas do almoço após horas e horas numa bicha de automóveis domingueiros obviamente repletos de leitores entusiastas e parei no restaurante do Augusto onde uma multidão de súbditos se debruçava para o cherne, pronta a aclamar-me no fervor das paixões ilimitadas. Ninguém pareceu dar pela minha entrada: nem um maxilar deixou de mastigar o bitoque, nem um nariz emergiu do galheteiro para me observar com pasmo, e quando eu, agastado com a incompreensível distracção das pessoas, tossia a chamá-las, a voz do Augusto veio lá do fundo, do balcão, a apontar-me num brado que fez tilintar de susto os copos de Colares e sobressaltou a hibernação das lagostas a mancarem nos calhaus do aquário
- Olha o Antoninho! Dei tanto pontapé no cu daquele gajo!
Meia dúzia de pálpebras subiram dos grelos, desinteressadas, e o Augusto a aplicar-me palmadas que me desconjuntavam as costelas
- O menino a entrar na piscina pelo arame para não pagar e eu que fazia a segurança a correr atrás de si que é lá isso seu sacana? Ricos tempos.
Apesar do precedente de colegas ilustres
(Villon, Genet)
embatuquei. E o Augusto, a empurrar-me com as palmas gigantescas para a mesa, ao lado dos caranguejos e das lagostas, de um careca enfezado
- E aquela tarde em que você me deu uma sova aqui no Zé Tó no ringue de patinagem? O menino era lixado. Muito pontapé lhe dei eu nesse cu. Ricos tempos."
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Termino este ABC com o Meu Escritor. Estou longe de ter lido tudo o que escreveu, até porque a sua escrita é difícil e exige do leitor quase o mesmo trabalho que lhe dá a ele a escrever. Do pouco que li, nasceu uma admiração sem limites. Das poucas entrevistas que dá, um sorriso no canto da boca pelo seu discurso sem rodeios e sem misericórdia. Se o visse algum dia perto de mim teria vontade de lhe beijar as mãos, os dedos que escreveram palavras e as juntaram e as esculpiram muitas delas de formas que eu mal consigo ainda compreender.
Fica este Livro de Crónicas, de leitura muito mais fácil e divertidíssima.
Ele é o único escritor que até hoje conseguiu provocar em mim (e suponho que em muitas outras almas) este efeito absolutamente deslumbrante: fazer-me rir até às lágrimas num parágrafo e no parágrafo logo a seguir fazer-me comover até às lágrimas.
Não direi mais, porque tenho medo de dizer coisas absurdas ou erradas sobre o Escritor que foi responsável por um bloqueio de 4 anos que tive, quando tinha 23. 12 anos mais tarde e com o bloqueio perfeitamente ultrapassado, consigo compreender por que o tive e até agradecer-lhe: se não fosse ele eu não teria tido a certeza de que era isto que queria mesmo fazer. Por vezes, é preciso levarmos valentes tabefes para percebermos se é mesmo isso que queremos continuar a fazer - se depois do tabefe quisermos mesmo assim continuar, então é porque é mesmo isso.
Hoje em dia, António Lobo Antunes continua a ser o meu barómetro. Sempre que acho que escrevi alguma coisa de jeito, vou ler uma coisa dele. Já não bloqueio, mas remeto-me imediatamente à minha insignificância.
Obrigada, António.
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1942-

3 comentários:

Dry-Martini disse...

Posso não partilhar todos os seus 3 filmes (sim até porque já sei o seu 3º lol) mas partilho o gosto do que considero o maior escritor português contemporâneo ainda vivo. Acho até que já mereceria o Nobel. Mande também os meus insignificantes ao António. Mesmo sem bloqueios .)

Dry-Martini disse...

Insignificantes cumprimentos...

Andrómeda disse...

Claro que merecia o Nobel...em vez de quem o recebeu... mas, enfim, são opiniões.
Eu tenho uma veneração absoluta por este homem. Não só pelo que escreve, mas também pelo que diz :) O bloqueio foi provocado por um parágrado, imagine, um único e monumental parágrafo lido na contra-capa dum livro, numa livraria.