terça-feira, 18 de outubro de 2011

PALAVRAS ESTÚPIDAS 148

Consciência
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Somos conscientes. E por isso assumimos que existe uma consciência superior. Mas um gato, porque não é consciente, não assume isso, porque não pode e, mesmo que, hipotetica e absurdamente pudesse assumir algo sem ter consciência, a ele parecer-lhe-ia absolutamente absurdo que houvesse uma consciência superior. Nem sequer lhe pareceria absurdo, não lhe pareceria de todo.

Será que os golfinhos que, diz-se, são quase, tão, ou até mais inteligentes do que o ser humano, também têm deuses? Se assim fosse certamente que os biólogos que os estudam teriam já reconhecido um tipo de comportamento adequado à ritualização, sacralização ou celebração desses supostos deuses roazes. Mas também se poderá dar o caso de, precisamente por poderem ser mais inteligentes do que o ser humano, terem encontrado formas diferentes das nossas de estabelecer esse relacionamento com a sua consciência superior. Não irão à missa. Nem transportarão missais ao pescoço. Talvez comuniquem com os seus deuses interiormente, ou apenas por via dos seus complexos sistemas sonoros constituídos por estalidos ou cliques.

Se sim, poder-se-á também dar o caso de os golfinhos suporem que nós somos os seus deuses. E, nesse caso, pobres golfinhos, devem andar há milénios a elaborar complexas teorias filosóficas sobre a insanidade deste olimpo que jaz sobre as suas cabeças e que de vez em quando pratica verdadeiras chacinas sem sentido nenhum. Questionar-se-ão os golfinhos sobre o seu próprio comportamento e chegarão à conclusão que se portaram mal, quando vêem companheiros seus ser atraídos até uma baía secreta para nunca mais de lá saírem, a não ser em marés de sangue? Ou saberão eles com toda a certeza que, a haver deuses, não podem de forma nenhuma ser estes palhaços que andam aqui em cima?
A consciência traz questões e dilemas. Traumas. Que um gato não tem.

Muitas vezes ao observar o seu dia-a-dia pachorrento e inconsequente, pergunto-me se não teria sido mais feliz nascendo gata. Acordaria de manhã e chatearia a minha dona para comer. Beberia água e cagaria. Andaria pela casa a verificar se tudo estaria no mesmo sítio e descobriria de vez em quando um cheiro novo, uma forma nova, um objecto que não estava ali no dia anterior. Examiná-lo-ia e integrá-lo-ia naturalmente no meu pacote de cheiros familiares e seguiria com a minha vida. Deitar-me-ia pachorrentamente no parapeito da janela observando o movimento sincopado da roupa no estendal da vizinha ou excitando-me momentaneamente com o aparecimento súbito de algum pássaro ou gaivota no quintal das traseiras. Brincaria com a minha dona ao final da tarde, sentindo um prazer enorme em ser acariciada na barriga e em perseguir pequenas bolinhas puxadas por fios que desaparecem misteriosamente por trás das costas da minha dona e voltam a aparecer do outro lado. Comeria mais, dormiria muito, sonharia de vez em quando com comida e com a minha dona. E acordaria novamente para a vida sem pensar na inutilidade dela ou na sua falta de sentido absoluto. Nunca me massacraria por não ter produzido um único pensamento importante ou escrito alguma máxima imprescindível para a vida dos outros gatos.
Seria feliz, sem deuses, sem problemas existenciais, sem consciência.

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