sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

MURMÚRIOS DE LISBOA CII

Amélie Poulain Precisa-se - Parte IV
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Castelo de S. Jorge
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Amélie, filha, há quanto tempo. Há novidades nas imediações, novidades bombásticas, e daí esta nova missiva.
A porteira desbroncou-se toda à maníaco-depressiva, que entretanto já não é maníaco-depressiva há muito tempo. Agora vive num meio termo absolutamente paradisíaco.
Afinal de contas, existe uma boa razão para a filha da senhoria se comportar como se tivesse um pau de vassoura espetado constantemente pelo cu acima, para além do facto de ser advogada. Lembras-te do marido simpático e bem educado? Aparentemente ele mudou muito. Segundo consta, e a porteira viu com os seus próprios olhos (que a ex maníaco-depressiva gostava de pedir emprestados – além de muito azuis, são bastante treinados na cusquice, apesar das cataratas em remissão), parece que o dito senhor era de quando em vez apanhado envolto em nuvens densas de álcool, encostado à beira do prédio em madrugadas insuspeitas. Como se isso não bastasse, consta também, e a porteira ouviu com os seus próprios ouvidos, que o dito sonso arreava a sua esposa nesses momentos mais etílicos, deixando-a a gritar pela mãe e pelo irmão.
Ficou também a saber que a própria prima que habita no mesmo prédio que a filha da senhoria, foge dela quando a vê na rua, o que a descansou bastante. Aparentemente, a senhora tem esse efeito em bastante gente, não é só nela. Apesar de tudo, a maníaco-depressiva reflecte que existe sempre um motivo forte para alguém parecer que tem um pau de vassoura enfiado pelo cu acima. Dá pelo nome de "sofrimento".

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Confirma-se, por outro lado, que o advogado que tinha também um pau de vassoura enfiado pelo cu acima, não habita mais o prédio há bastante tempo. Pela parte que lhe toca, felizmente. O homem deixava-a nervosa. Deve ser apanágio de todos os advogados com paus de vassoura espetados pelos respectivos cus acima. Provavelmente aquele também teria um bom motivo para isso.
Quanto ao ecológico poluidor sonoro, nunca mais o viu, não faz ideia se ele fugiu com a Sara do Tofu, mas também não está muito interessada nesses pormenores. Desde que fique bem longe das redondezas ... por ela até podia ter emigrado para a Gronelândia, apesar de não ter nenhum pau de vassoura espetado pelo cu acima.


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Pelo contrário, o rapaz da garagem, para mal dos pecados da ex maníaco-depressiva, continua especado à porta da garagem com alguma frequência, com seu semblante sério e compenetrado e a mesma barba rala verdadeiramente sensual, o que tem por consequência que ela se apaixone com a mesma frequência pelo dito cujo. A ex maníaco-depressiva reflecte sobre este fenómeno surpreendente, recorda experiências anteriores e constata com fascínio que nunca tal lhe aconteceu na vida – apaixonar-se constantemente e regularmente pelo mesmo homem vezes e vezes sem conta. Ela pensa que a sua história com o rapaz da garagem, de que ele faz parte mas nem sequer suspeita, se assemelha inacreditavelmente a um qualquer romance de realismo fantástico que Gabriel García Marquez poderia estar a escrever neste preciso momento.
A maníaco-depressiva reflecte que se isto fosse um argumento do Jean-Pierre Jeunet, depois de ter confidenciado à porteira que nunca dissera as boas noites ao dono da garagem por timidez e que ele a deve considerar uma mal-criada e depois de lhe ter perguntado se o rapaz que veio substituir um outro ajudante do senhor que era um santo de homem (na opinião da porteira), entretanto defunto, se, por contraste o rapaz não era também ele um santo, que a seguinte sucessão de acontecimentos teria lugar, editados em cortes sucessivos com uma banda-sonora a condizer:


1 - A porteira iria desbroncar-se à porteira do prédio onde está a garagem, contando-lhe que ficara com a pulga atrás da orelha por a menina andar a perguntar coisas do rapaz.
2 - A porteira do prédio onde está a garagem iria por sua vez desbroncar-se ao dono da dita cuja, senhor de idade provecta e malandrice nos olhos.
3 - Conversa puxa conversa, o seguinte diálogo teria lugar:
"O seu rapaz não tem namorada?"
"Não, diz que não tem paciência para aturar mulheres. São muito complicadas. Só tem olhos para a mota. Nunca se apaixonou na vida, ou saberia ...", e os olhos do dono da garagem, enquanto profere estas palavras, deambulam vagueantes por um passado remoto povoado por um par de pernas longas e esguias que lhe davam a volta à cabeça em rotações muitíssimo superiores às cilindradas dos seus carros de corrida que ele tanto ama, "... que estas coisas não se controlam. A rapariga não tem ninguém?"
A porteira abana a cabeça, com os braços cruzados sobre o peito, as mãos segurando o pau da vassoura que usa para varrer a porta da entrada do prédio (e não para enfiar pelo cu acima), "Ao que parece também anda quase sempre sozinha."
Faz-se um silêncio entre os dois. A porteira matuta numa ideia luminosa. O dono da garagem contempla melancolicamente o seu passado.


"Olhe que eles até ficavam bem um com o outro, não lhe parece?"


O dono da garagem olha para o seu ajudante encostado à entrada da garagem a fumar um cigarro, o semblante carregado, enquanto a maníaco-depressiva passa à sua frente e ele faz de conta que não a vê.


E a partir desse dia, a porteira e o dono da garagem, que não têm muito mais para fazer na vida do que pensar nela e vê-la passar, decidem entreter-se com o entretecimento de um complô que tem por objectivo juntar duas pessoas que deveriam estar juntas mas ainda não descobriram.


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Portanto, Amélie, preciso de ti. Preciso que venhas cá ajudar-me a transformar isto num romance do Gabriel Garcia Marquez ou num filme do Jean-Pierre Jeunet.
Anda Amélie, ajuda-me lá, não sejas chata. Isto podia ser uma história tão bonita.

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