Jamie
Jamie é canadiano. Vai sentado ao meu lado no vôo da TAP para Nova Iorque, o meu destino final. Para ele é um trânsito até Toronto, onde vive, segundo ele, num pardieiro com o seu irmão, a cunhada, um par de sobrinhos e um cão. Too many people, diz-me ele. Que veio fazer a Lisboa este rapaz de 35 anos, descendente de imigrantes açoreanos? Visitar a bela capital portuguesa pela primeira vez na vida e, depreendo eu pelo seu discurso e os seus olhinhos de carneiro mal morto, encontrar uma rapariga com quem possa casar e sair do pardieiro.
Desfiz-lhe logo as esperanças, afirmando convictamente que não pretendia casar. Ele olha para mim com uns olhos castanhos rodeados de pequenas rugas sensuais à la George Clooney (a única coisa que apreciei fisicamente nele) muito abertos e confirma com uma interrogação "Não?"
A nossa conversa foi bilingue - inglês e português. Nada a que eu não esteja habituada, já que a minha família do lado da minha mãe sempre foi bilingue, aliás, trilingue (às vezes até quadrilingue, se juntarmos o francês trazido pela Abuelita da sua estadia nas belas terras do Sul de França) - português, inglês e espanhol.
A conversa começou com Jamie a perguntar-me como se chamava o estado onde íamos parar, se New York se New Jersey, aquando do preenchimento daquela folhinha verdadeiramente surreal que nos forçam a completar sempre que nos abeiramos da terra do Tio Sam - entre outras preciosidades, se transportamos alguma espécie de armas ou explosivos ou ainda se contrabandeamos alguma espécie de substância química altamente aditiva. Sendo que mesmo que tivéssemos tido a sorte de passar a polícia em Lisboa com ditos itens, quem seria o anormal que iria pôr a cruzinha no quadradinho do "Yes"???????!!!!! Só se estivesse sob a influência de pesadas cargas das ditas substâncias proibidas ... Enfim ... estes ianques, como dizia a minha Abuelita (que os teve de aturar em S. Francisco quando casou com um e depois designava também os que nós chamamos de bifes com esse pronome), são malucos.
Ianque é coisa que Jamie não é. É canadiano, arraçado de açoreano e, portanto, duplamente estranho. Há algo nos canadianos que sempre me fez esfregar o nariz - nunca sei precisar exactamente o que é, mas que são estranhos são. Para além disso, nunca consigo identificar o seu sotaque.
A conversa continuou por montes e vales que passaram por, e passo a enumerar, Lisboa, Açôres, Toronto, filmes americanos, paisagem aérea, política internacional, história portuguesa (para meu espanto, Jamie sabia mais de história portuguesa do que muitos pirralhos tugas que para aí andam), viagens, casamento, relacionamentos, pais, comida aérea e muitas outras coisas que nenhum dos dois conseguia ouvir com o ruído de fundo do avião ou que já não recordo.
Jamie fez com que as oito horas de viagem até Nova Iorque passassem num ápice, algo que lhe agradecerei eternamente.
Despedi-me dele com dois beijos e a promessa de trocarmos e-mails. Nem ele nem eu tencionávamos cumprir o prometido e ainda bem. Às vezes é bom conhecer e perder pessoas assim, sem traumas pelo meio a não ser uma boa e prolongada conversa que poderá ser retomada algures no ar um dia destes, quem sabe.
Sem comentários:
Enviar um comentário