Lee
Não sei o nome dele, mas tinha cara de Lee. Conheci-o à chegada ao aeroporto de New Jersey, a terra de Bruce Springsteen. Imagine-se um Bruce mais velho, mais cansado, mais gordo e menos energético, com uma cabeça totalmente branca e teremos Lee. Lee era grande para cima e para os lados.
Começámos a conversar enquanto esperávamos pelo transfer e fumávamos um cigarro, e divagámos para o que estava eu ali a fazer. Descobrimos que tínhamos vindo no mesmo vôo.
Lee era nova-iorquino a passear por várias capitais europeias, a última das quais fora precisamente Lisboa. Lee tinha ficado alojado perto do Corte Inglês, segundo ele uma zona perfeitamente segura mas totalmente deserta à noite, para sua enorme admiração.
Eu ia fazer a minha terceira tour da Capital do Mundo e ficaria alojada numa zona próxima do Empire State Building, designada Little Korea onde, descobriria mais tarde, polulavam restaurantes e mercearias coreanas num raio de alguns quarteirões e a animação era vibrante até pelo menos à meia-noite. Nunca cheguei a provar comida coreana, pasme-se. A oferta é tanta, que comi todos os dias comida de uma parte diferente do mundo, ao almoço e ao jantar, e não me sobrou nenhum dia nem nenhuma coragem para os acepipes coreanos. Fica para uma próxima.
E ali estávamos os dois, ele a chegar a casa, eu a chegar ao único sítio do mundo diferente da minha casa em que me sinto em casa.
Lee era, como todos os nova-iorquinos, uma estranha mistura de cordialidade com distância. Ao início estranha-se, depois entranha-se, como diria Pessoa. Já estou habituada. Close, but never too close.
Deu-me várias dicas. Que sim, que eu deveria experimentar a High Line, um passeio interessante e grátis - a última novidade da cidade, uma espécie de promenade elevada que atravessa uma longa zona industrial na downtown, isto é, próxima das docas do lado do Hudson River e que proporciona uma perspectiva diferente. O ferry de Staten Island, também grátis. Que não me preocupasse com segurança, desde que não andasse no metro depois da meia-noite. E a ponte de Brooklyn, também grátis.
Quando lhe disse que amava a sua cidade, ele recebeu a notícia como se fosse um facto absolutamente consumado. E nem sequer sorriu ou agradeceu. Os nova-iorquinos sabem que vivem no sítio mais cobiçado e fantástico do mundo. Para eles isso é apenas uma constatação.
Despedi-me de Lee com um aperto de mão. Ele ainda me atirou qualquer coisa em espanhol, mas já não o ouvi, estava a entrar na carrinha do transfer. Ficará no mistério dos deuses, como a última frase proferida por Bill Murray a Scarlet Johanssen no filme Lost in Translation.
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