Treino
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Escrever, como tudo na vida, Charlie, é uma questão de prática. Um hábito que se cria e se mantém.
Exige treino, como qualquer exercício físico, como o baseball.
Não para os dedos, se bem que também.
A gente empunha o taco da caneta e tenta lançar umas bolas-palavras para acertar no papel da forma mais artisticamente plausível.
Até aos 20 e tal anos tive um calo no dedo médio da mão direita, de que muito me orgulhava. Com o advento dos computadores, diminuiu consideravelmente. Os computadores são as luvas dos escritores. Tac tac tac e os dedos da mão direita agradecem. Nunca foi tão grande como o de António Lobo Antunes, mas era um calo razoável, com personalidade.
Lembro-me de ter máquinas de escrever e chegar ao fim do dia com os dois dedos indicadores em fogo.
Lembro-me de haver dias soberbos! magníficos! extasiantes! formidáveis! que escrevia desde que o sol se levantava até que se punha e mais além. Chegava ao fim deles com cãibras excruciantes na mão. Cãibras nos dedos e felicidade costumam andar de mãos dadas. A cabeça em água também. Quase, Charlie, como se a nossa cabeça tivesse servido de bola de baseball durante um dia inteiro. É assim que fica. E seca por dentro. Como se me tivessem espetado uma agulha e sugado o tutano. Como se tivéssemos dado 20 voltas sem parar ao campo de baseball (odeio correr, eu é mais dançar).
Dias felizes, sim. Porque se olha para o papel e a nossa alma está lá esparramada, emplastrada, espalmadinha. E sabe bem, Charlie. Sente-se que se conseguiu algo de importante, mesmo que só se tenha escrito merda.
Treino. Todos os dias. Senão a gente esquece-se. De como é escrever. Deixamos de ter tanta habilidade para dar tacadas com a caneta ou com as teclas, para fazer malabarismos com as nossas palavras guardadas em caixas há tanto tempo, no sótão nervoso.
Exercício, Charlie. Mental. Um misto de ambos. É preciso que mão e cabeça estejam em perfeita sintonia, capazes de funcionar como uma equipa unida, like this (cruza os dedos, Charlie), through thick and thin.
Como tu tentas todos os anos, Charlie, em cima desse monte.
Manter o mundo fora da "zona" exige concentração. Depois é automático, Charlie. É como os amigos que não se vêem há anos. A conversa entre o papel e a cabeça é retomada, como se nunca tivesse parado.
Que nunca cesse.
Amen, Charlie.
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