Escrever
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"Desce, desce, desce até onde se encontram os outros e tu no meio deles." - Tchekov
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Escrevo como respiro. Escrevo porque respiro. Escrevo para respirar.
Escrevo aos soluços. Escrevo como um rio. Escrevo como mar. Umas vezes revolto, outras manso.
Escrevo dolorosamente. Mas também facilmente. Por vezes demoro eternidades a encher uma página. Outras vezes minutos para preencher várias.
Às vezes perco a noção do espaço, do tempo, do mundo, enquanto escrevo. Outras tudo me desconcentra e perco-me até no insignificante pormenor de uma letra cuja perna está mal desenhada. Invento desculpas para não escrever. Adio o calvário até ao impossível mais ridículo. Faço birras. Risco tudo. Crio crateras no papel. Rasgo folhas. Amasso-as. Lanço-as ao ar. Às vezes enfureço-me comigo mesma, com as palavras ou a sua ausência. Por vezes enojam-me, assustam-me, envergonham-me, humilham-me. Outras, raras, fascinam-me e pergunto-me como fui capaz de escrever aquilo, daquela forma.
Escrevo por etapas. Releio-as aos solavancos. Detesto descrições porque me perco nelas ou me enfastiam. Adoro pequenos pormenores curiosos que surgem não sei bem de onde e me surpreendem a mim própria.
Gosto de ser assaltada por personagens novos. Fascinam-me quando começam a falar comigo. O melhor da escrita são eles, não tenho dúvidas. E o pior também. O mais difícil. O mais desafiador. O mais desesperante. E, sempre, o melhor. Gosto de os desenhar, de os vestir, de os esculpir emocionalmente, de os fazer falar, pensar, sentir. Entusiasmo-me com diálogos.
Escrevo porque gosto. Escrevo porque preciso. Escrevo porque nasci para escrever. Escrevo porque não sei nem me interessa fazer mais nada tão bem. Escrevo bem. Escrevo mal. Escrevo suficiente. Escrevo quando não me apetece e quando me apetece. Escrevo com sentido e sem sentido nenhum. Escrevo merda e escrevo pérolas. Raras são as vezes em que me orgulho plenamente do que escrevi. Ainda bem. No dia em que ficar contentinha com a bosta que escrevi, é o dia em que morri para a escrita.
Escrevo porque nada me dá mais prazer. Escrevo mesmo quando não me dá prazer. Escrevo porque sou doente, avariada da cabeça. Escrevo porque sou obcecada. Escrevo porque se não escrever não sinto que esteja a viver-me. Escrevo quando não vivo e vivo quando não escrevo, mas toda a vida que vivo é para depois a escrever. Roubo vidas alheias. Roubo rostos, acções, personalidades e conversas. Roubo entrelinhas da vida que só eu vi. Roubo espaços, roubo ausências, roubo impressões. Roubo o que vejo e os outros não vêem. Roubo tudo para alimentar o monstro da escrita, que é gordo e devorador.
Escrevo em português. Escrevo em inglês. Já escrevi em espanhol. Qualquer língua me serve, se a souber. Porque todas as palavras me fascinam. Gosto de experimentar. Gosto de misturar. Escrevo como quem experimenta ingredientes numa poção num laboratório. Escrevo como quem faz malabarismo. Às vezes aguento as bolas todas no ar, outras vezes espalho-me ao comprido. Escrevo como quem dança com as palavras e procuro o nosso ritmo, o meu com o delas.
Escrevo como quem sobe degraus. Às vezes sou preguiçosa e não os tento subir e rumino anos no mesmo degrau. Não escrevo para exorcizar fantasmas, mas às vezes ajuda. Não escrevo porque tenho jeitinho, escrevo porque quero saber construir catedrais. Não escrevo porque me quero expressar, escrevo porque quero edificar monumentos.
Escrevo porque quero chegar ao fundo da escrita e por lá deambular. Escrevo porque tenho de escrever. Escrevo porque não sou capaz de não escrever.
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