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"Don't think that because you haven't heard from me for a while that I went to sleep. I am still here, like a spirit roaming the night. Thirsty, hungry, seldom stopping to rest."
Spike Lee
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Ele está lá todas as manhãs. Na esquina da avenida onde trabalho. A distribuir jornais, encostado a uma parede, resguardando-se do vento e do frio, com um corta-vento encarnado e a banca portátil do Metro, ou Destak, nunca reparei. Usa um chapéu de pala enfiado até aos olhos, escondidos por trás de óculos redondos de miopia. Tem uma barbicha pequena, a pele de ébano chocolate de leite, é baixinho e magrinho. É, portanto, o Spike Lee.
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Spike distribui jornais, mas só aparentemente. O que ele na realidade distribui são sonhos. Só que ninguém sabe disto. As pessoas passam por ele às dezenas, todas as manhãs, sem se aperceberem deste furo importante. Escondidas naquelas páginas, por entre notícias sobre José Sócrates, a crise económica mundial, a trapalhada do BPN, a eleição de Obama, a guerra do Iraque e mais um submarino naufragado na Rússia, há sonhos pequeninos, colados às páginas com cuspo.
São frágeis, portanto, e as poucas pessoas que vão lá buscar um jornal, na maioria das vezes perdem os sonhos sem sequer lhes terem posto a vista em cima. Mas todos os sonhos são frágeis e Spike tem bem a noção disto. Por isso ele ali está, todas as manhãs, encostado à parede com o seu ar cínico e desencantado.
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Quem faz sonhos para vender é muito diferente de quem faz sonhos para distribuir, pensa Spike. Há toda uma diferença cuja extensão é um Spike da ponta dos pés à ponta do chapéu de pala multiplicada algumas centenas de vezes. Porque quem faz sonhos para vender acha que tudo tem um preço. Quem faz sonhos para distribuir conhece a periclitância dessa noção. E por isso Spike nem se dá ao trabalho de arranjar super cola 3. Um sonho tem que ser colado com cuspo e suspirar que alguém o agarre antes de se evaporar. Não pode ser vendido, trocado, ou sequer guardado. Muito menos colado com super cola 3, isso acabaria com qualquer possibilidade do sonho mesmo antes de ter começado.
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Não conheço os sonhos distribuídos por Spike, nunca lá fui buscar um jornal. Os jornais sujam-me as mãos e não gosto de os ler. Sou tonta e Spike seria o primeiro a avisar-me deste erro, se tivesse ou quisesse oportunidade para tal. Não quer. Limita-se a ficar ali encostado, a olhar para as formigas que por ele passam e a pensar "Se não queres sujar as mãos, não podes conhecer a eternidade de um sonho".
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