sábado, 19 de outubro de 2013

Mã,
 
Comprei uma sombrinha nova, mas hélas! a sombrinha nova não apara os golpes do vento. Sabes como eu sou distraída, comprei uma daquelas que não dá para enfiar o pau paralelamente ao outro pau-base, de modo a podermos enterrar na areia dois paus e não um. Portanto, levei a nova sombrinha para a praia e nem uma tarde ventosa aguentou.
Voltei à nossa velha sombrinha, que está ferrugenta e com manchas amareladas, mas funciona muito melhor que a outra. Ainda não é desta que me vejo livre dela. Da nossa sombrinha.
 
Encontrei as conchas de madrepérola que deixaste na praia para nós - a cor-de-rosa, com uma leve dentada para mim, a amarela perfeitinha para o Filipe. A minha está dentada porque eu estou em pior estado que ele, eu sei. A minha é rosa por motivos óbvios - sou menina, gosto de coisas de menina e sou romântica. A dele é amarela porque sempre que ele entra em algum sítio entra o sol com ele. São as duas exactamente do mesmo tamanho. Mas sabes, já sei que quando lhe disser que encontrei as conchas e que foste tu que as lá puseste na praia para eu as encontrar, ele vai abanar a cabeça e dizer que lá estou eu com os meus filmes.

Ontem levei um pão inteiro para a praia e passei a tarde a dar de comer às gaivotas. Lembras-te? Este ano havia uma fêmea que era má como as cobras. Atirava-se a todos os bocados de pão, empurrava as outras para fora do seu perímetro, abria as asas e berrava desalmadamente e era a mais corajosa, vinha quase ao pé de mim para reclamar o seu quinhão. Tentei distribuir irmãmente por todos, mas ela comeu para aí uns 10 bocados de pão!
 
Hoje o dia está péssimo. Está daqueles dias em que tu ficavas em casa e aproveitavas para tratar de limpezas, ler e descansar e eu ficava desesperada a olhar para a praia e o céu e a repetir incessantemente que era capaz de ainda abrir para a tarde. Eu era tão chata, não era? Não, eu não era chata, eu era mesmo completamente impossível, e tu tinhas uma paciência para mim ... Provavelmente estarias a dizer-me agora, no teu humor infinito, enquanto eu soltava o meu milésimo lamento, "Vai, vai para a praia e fica lá até abrir. Não vês que está maravilhoso?"
Talvez vá à vila ou a Espanha, não sei. O problema é que às horas a que saio daqui chego lá precisamente na hora do raio da siesta e depois tenho que esperar que as lojas abram e não me está a apetecer muito levar com vento na fuça no ferry. Não sei ... Nem sequer me apetece muito ir lá buscar os camarões tigre.
 
Se o vires, diz ao pai que no outro dia estive uma hora! a apanhar conquilhas na praia. Mas nem fiquei muito cansada. Até veio uma turista perguntar o que eu andava a apanhar e apanhou-me 3 e depois desistiu. Depois veio uma senhora portuguesa, que até me assustou, "Mas você sabe!" Disse-lhe que tinha sido o meu pai que me tinha ensinado. Eram poucas. Ela disse-me, mas olhe, é como costumo dizer, basta uma concha, um coentro e alho e vai tudo goela abaixo. Concordei plenamente. Apanhei uma mão cheia pequena, eram mais as pequenas que as grandes. Ele diria que aquilo não servia nem para a cova de um dente. Ainda por cima, deixei-as esturricar um bocado na maldita placa do fogão. Os coentros ficaram pretos e as conquilhas um bocado duras, mas souberam-me muito bem.
 
Nem te digo o estado em que está a nossa casa ... Ias ficar doente. Mas não te preocupes que a gente trata do assunto. Só tenho tido medo de lá ir porque me lembro de coisas e me parece uma casa fantasma.
 
Quando disseste que era a última vez que vinhas, era mesmo a última vez. A última fotografia que te tirei foi num dia como este, na praia, no meio de uma ventania desgraçada. Estavas triste quando disseste isso. Adivinhavas sempre tudo. Eu também fiquei com esse dom, mas foi-se com o cancro. Acho que prefiro assim. Não adivinhei a hecatombe que aí vinha. Prefiro assim, acho.

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