terça-feira, 3 de outubro de 2006
CRIANÇAS EXPLORADAS À GRANDE E À PORTUGUESA
É impressão minha ou de repente o mercado português televisivo (ainda não reparei se o problema se estende a outros meios publicitários, mas pelo andar da carruagem ...) encheu-se de marcas que andam a fazer publicidade a produtos e serviços destinados a serem consumidos por adultos e em que os principais promotores são ... crianças??
Como profissional de comunicação há mais de 10 anos, confesso que fiquei literalmente de boca aberta quando me comecei a aperceber desta situação. Rapidamente fui rever o Código da Publicidade, mas não, confirmei que a memória não me falhava e que lá está bem explicadinho no Artigo 14º:
"1 - A publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se nomeadamente, de:
a) Incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, a adquirir um determinado bem ou serviço;
b) Incitar directamente os menores a persuadirem os seus pais ou terceiros a comprarem os produtos ou serviços em questão;
c) Conter elementos susceptíveis de fazerem perigar a sua integridade física ou moral, designadamente pelo incitamento à violência;
d) Explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, tutores ou professores"
E ainda, no mesmo artigo, define-se claramente que:
"2 - Os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado."
Especificando-se, para os mais míopes, que:
"1. Menores são todas as pessoas que ainda não completaram 18 anos de idade"
Tudo começou com a famosa e inocente campanha do Ecoponto. Muito bem, pensei, torcendo um pouco o nariz. Ok ... aqui a lei não dobra muito porque ... enfim ... sempre são questões ecológicas e que nos tocam a todos e de cujas más consequências serão elas (as criancinhas do anúncio) a sofrer um dia, quando crescerem. Portanto, o anúncio até se torna uma espécie de lição prática do género - meninos, comecem já a lutar pelos vossos direitos enquanto ainda são pequeninos e vejam lá se conseguem torcer os pepinos teimosos dos vossos papás.
Mas eis senão quando, subitamente, comecei a ser bombardeada por tudo quando era marca de produtos para gente bem crescidinha, publicitados por criancinhas inocentes que nem sequer fazem ideia provavelmente do que estão a promover, quanto mais o significado da sua presença em ditas campanhas.
E no entanto, lá estão elas, a ser inocentemente exploradas pelos seus queridos papás e marcas de prestígio como a TV Cabo, os detergentes Tide e Ariel ou o Spot de promoção ao Programa "Querido Mudei a Casa" da SIC Mulher.
Como profissional da publicidade, insurjo-me veementemente contra este abuso perpetrado por marcas e canais e sobretudo por outros profissionais da publicidade, que deviam ter vergonha na cara e respeito pelas Leis deste país. Muito nos queixamos quando elas não existem ... mas quando existem é vê-los (anunciantes) a desrespeitá-las à grande e à portuguesa e é vê-los (à classe legisladora) a fechar os olhos diplomaticamente.
Ou será que ainda ninguém reparou nisto?
Não sei o que será mais grave ... que ninguém tenha ainda reparado ou que todos estejam a fazer vista grossa. E quando falo em todos, incluo: anunciantes, agências de publicidade e respectivas equipas criativas que conceberam os anúncios, entidade reguladora do Código da Publicidade, APAN (Associação Portuguesa de Anunciantes), APAP (Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade e Comunicação), governantes, legisladores e sim .... não pensem que se escapavam .... paizinhos das criaturas exploradas e associações de protecção dos consumidores.
E relembro à APAN o recentemente apresentado (Setembro 2005) Código de Boas Práticas na Comunicação Comercial para menores, promovido pela própria APAN. Mas ok ... já me esquecia ... desculpem lá ... em casa de ferreiro espeto de pau não é? ... pois claro .... que estupidez a minha ....
Enfim, bem sei que a velhinha cópia que tenho em casa é de 1991, mas não me parece que as recente alterações ao Código relativas a publicidade dirigida a menores tenham alterado para pior, visando uma diminuição dos direitos dos ditos, sobretudo numa época em que o ocidente vive uma paranóia tão grande pela protecção dos mesmos. Ou foi isso que aconteceu?...
"Há coisas fantásticas, não há?" ...
Tenham mas é vergonha na cara ... ó meus amigozzz ... com franqueza ....
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