O dia começa bem. Uma tempestade
de proporções verdadeiramente bíblicas abate-se sobre o Paraíso entre as três e
as quatro da madrugada. Raios colossaís iluminam os céus e até os pescadores
não se aventuraram desta vez para o mar. As ondas ouvem-se, furiosas,
adivinham-se, monstruosas. Os trovões abalam as fundações do Paraíso, mas de
manhã um sol radioso acorda-me às 8 da manhã. Duas horas mais tarde salto da
cama e vou para a praia, estou há três, TRÊS dias sem molhar os pés, não pode
ser! Levo calças, por precaução, mas toalha e leituras. Quase que me aventurava
a partir dos tornozelos para cima para dentro do mar, mas ... a coragem
falta-me e ainda bem. Vou passear e abate-se novo dilúvio sobre mim. Corro para
casa completamente encharcada, mas mais feliz por ter tirado a barriga de
misérias, um bocadinho.
Olho o mar da varanda e, finalmente, percebo-o e
percebo-me. Porque gosto do mar? Nunca me tinha perguntado. É, subitamente,
óbvio. Em deambulações mentais sobre o desejo de ter uma casa permanente na
cidade que estivesse perto do mar, e recordando a absurdidade de alguém a quem
ouvi dizer que não suportava estar ao pé do mar (não me lembro quem, mas era
alguém famoso, e nunca tinha ouvido ninguém dizer que não gostava de estar
perto do mar), conjecturo que é impossível não se gostar do mar porque o mar
nunca é o mesmo, é sempre diferente, sempre novo, sempre outro, todos os dias.
E então percebo-o e, por consequência, percebo-me mais um pouco. Gosto do mar
precisamente porque o mar é inconstante na sua constância. É sempre o mar, mas
nunca é o mesmo mar. A água é sempre a mesma, mas nunca tem a mesma
configuração. É um animal medonho e belo, poderoso e avassalador, com ondas
sempre diferentes, açoitado por ventos provenientes de direcções sempre
diferentes, com matizes sempre diferentes, com espumas sempre diferentes, com
ruídos sempre diferentes, com abóbadas sempre diferentes. E eu, que levei anos
preciosos da minha rica vida para descobrir que uma das minhas características
essenciais é precisar de mudança constante, percebo agora porque gosto do mar.
Sou estável, mas inconstante, como o mar. Sou constante na minha inconstância.
Quem não perceber isto em mim, nunca perceberá nada de mim.
Gosto do mar.
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