Juventude
Foi Oscar Wilde quem disse que a juventude é o nosso maior tesouro. Mais do que a beleza, tão cara ao autor irlandês, na sua opinião, a juventude era a melhor coisa que podemos ter.
A juventude é, acrescento, também o maior sadismo da vida. Enquanto a temos não fazemos ideia do que temos, não fazemos ideia de que somos deuses, belos, perfeitos, saudáveis, plenos de energia, emoção, garra e sonhos. Pelo contrário, achamo-nos imperfeitos, queremos crescer à viva força, para que nos seja permitido fazer tudo aquilo que queremos.
Não sabemos, não imaginamos, que já temos tudo, que temos o essencial, que temos a única coisa que interessa possuír - juventude. Mais até do que a juventude física, é a juventude mental. A capacidade de acreditar, de sonhar, de julgar o mundo pleno de eternidades, de nos apaixonarmos vezes sem conta pela mesma coisa ou por coisas totalmente opostas.
Somos deuses, sem o sabermos. Porque podemos tudo, sem o suspeitarmos. Porque temos tudo, sem adivinharmos. E só quando somos jovens é que somos deuses. Depois tornamo-nos simples mortais, caímos aos trambolhões do céu, embatemos no chão vezes e vezes sem conta e só então, só então percebemos que fomos deuses. Sem maleitas, sem medos, sem sofrimentos, sem nostalgias, sem saudades.
Custa muito. Às vezes não queremos ver a verdade que paira à nossa frente há demasiado tempo. E continuamos a puxar o cavalo da juventude, continuamos a pedir-lhe que galope como o vento e que nos transporte como a força das tempestades e o brilho dos arco-íris mais fantásticos. Continuamos a puxá-lo, por vezes durante muito tempo, até que subitamente algo nos faz perceber que temos andado iludidos, que a juventude já passou por nós e que não regressa mais, que o cavalo está cansado e tem de abrandar.
Finalmente, olhamos para trás através do espelho que nos colocam à frente e percebemos que a nossa juventude não nos acompanhou, ficou cristalizada num tempo e num espaço que nunca compreendemos totalmente quando e enquanto lá estivemos.
O aparecimento do delfim na praia foi o meu espelho. Deixou-me nostálgica, enquanto abandonava a praia nesse dia e só então percebi o que se passara. O delfim confrontou-me com o meu passado, levou-me de rompante dois anos atrás, ao momento exacto em que perdi a minha juventude, porque a primeira vez que o delfim apareceu foi precisamente há dois anos atrás, um mês depois de a minha mãe ter morrido.
Quando morreu, percebi, a minha mãe levou a minha juventude com ela. Só agora me apercebi disso. O meu cavalo ficou lá atrás agarrado às sombras das duas projectadas na areia do Paraíso. Uma maior, a minha, outra mais pequena, a dela. Hoje é só a minha que se projecta à minha frente na hora do ocaso, enquanto caminho à beira-mar. Percebo finalmente que não sou jovem, porque agora só eu caminho pela vida, sem costas, sem as asas do anjo que me protegeu de todos os monstros da vida.
A minha juventude ficou aqui, no Paraíso, para sempre. Porque foi aqui que sempre fui mais feliz do que em todos os outros locais ou todas as outras alturas da minha vida. É aqui que a posso vir contemplar, sempre que quiser, mas não resgatar. E enquanto o Paraíso existir a minha juventude também existirá. Eternamente.
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