sexta-feira, 17 de julho de 2009

MURMÚRIOS DE LISBOA LXXXV

Os Potros Selvagens
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Repuxo no Pavilhão da Ciência - Parque das Nações
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Acordou de um pesadelo com a largada dos potros selvagens. Já era habitual, desde há algum tempo. Mas apenas hoje, naquele mesmo instante, percebera porquê. Esquecera-se que já era Verão e que era habitual aquilo acontecer - a altas horas da madrugada, os jovens equinos eram largados na rua, no vigor da vida, excitados, berrando jocosidades sem nexo, sem se importarem se acordavam a vizinhança inteira com a sua masculinidade ao rubro.
Livres, fogosos, os sentidos alerta, saíam a galope para o meio da rua e, finalmente, enfiavam-se nos seus automóveis partindo para parte incerta.
Nessa noite, porém, não a aborreceram, pelo contrário. Acordar de um pesadelo com a largada dos potros selvagens fez com que conseguisse sair dos seus contornos escuros assustadores para a realidade, mais depressa do que era costume. Tiveram o efeito contrário, os jovens cavalos. Descansaram-na, sossegaram-na. Chegou até a sorrir, enquanto fixava a porta do quarto entreaberta, para se certificar que nenhum ser estranho ultrapassara a fronteira entre o pesadelo e a realidade, para se vir alojar em sua casa.
Não se lembrava do pesadelo. Sabia apenas que fora um pesadelo porque ao acordar sobressaltada, aquela sensação de inquietude e desespero, de sufoco, a assaltou, ao mesmo tempo que os potros lá fora na rua.
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Estava calor, aquele calor abafado e pesado que precede a tempestade. Afastou finalmente os cobertores de cima do corpo e ficou assim, a ouvir os potros lá em baixo. Era natural que berrassem. Depois de terem estado toda a noite a observar deusas despidas, era natural que os potros largassem disparados daquela maneira, como se de repente todo o universo estivesse concentrado em quantidades insuportavelmente poderosas bem no meio das suas virilhas. Quando assim é, é provável que a única coisa que faça sentido, a única atitude humanamente possível, o único reflexo físico instintivo seja sair disparado a galope, em grupo, seguindo inconscientemente a nossa masculinidade, seja para onde for que ela nos queira conduzir.
Esperava que chovesse. Que trovejasse. Precisava de uma bela, gloriosa tempestade, que expulsasse o calor para bem longe da cidade e trouxesse consigo frescura e algum ar renovado.
E a chuva veio, de manhã cedo, ininterrupta, reconfortante e apaziguadora. Fantasiou correr lá para fora, abrir os braços para o céu e receber a chuva no corpo, ensopando-a até aos ossos, despojando-a de toda a capa pegajosa que o calor instalara. Mas claro que não o fez.
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Ouviu o trovão e riu-se. A primeira tempestade de Verão. E lembrou-se dos potros selvagens da noite anterior e do ribombar dos seus cascos excitados no pavimento alcatroado, trepidantes, rebeldes, ruidosos, vivos.

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