quinta-feira, 6 de agosto de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON XXIII

O Samurai Cobarde
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A minha espada ergue-se entre mim e os meus inimigos. Foi forjada com a sabedoria dos antigos anciãos e no fogo sagrado da lava proveniente da montanha cuspidora das entranhas milenares da Terra. A sua lâmina aguçada é capaz de trespassar a mais delicada das pétalas da flor da amendoeira, soprada na doce brisa primaveril.
Mas a mão e o braço que lhe deveriam conferir a merecida vida de honorável guerreira abatem-se sobre si mesmas, fracos instrumentos seduzidos pela inércia da cobardia.
O Escritor não ouviu estas palavras. Sentiu-as, no rosto contorcido do samurai, congelado numa silenciosa coreografia feita de gestos desenhados toscamente no espaço daquele jardim geométrico.
Havia uma fonte rodeada de musgo e atravessada por seixos redondos gigantes e o chuveiro cadenciado da água que brotava suavemente para se juntar ao caudal liso, era o único som que preenchia o espaço.
Havia pássaros, mas permaneciam mudos, como se ecoassem no seu vazio a angústia do velho samurai.
Procuras palavras, jovem, continuou ele no pensamento do Escritor, enquanto eu procuro a coragem ... toda a minha vida busquei a coragem ... sem nunca a encontrar, pois que entre mim e os meus inimigos apenas pude erguer esta espada nobre e inútil.
O samurai executou mais uns passos da sua lenta e enigmática coreografia, volteando a lâmina afiada no ar com destreza e elegância. O Escritor sentiu o ar vibrar na sua direcção, um vento frio e subtil que lhe arrepiou a pele e o fez encolher-se instintivamente.
Não temas, jovem. Sou incapaz de te ferir, pois ambos sabemos que as lâminas apenas rasgam a carne e essa pouco tem que albergar. Órgãos, vísceras, pele, sangue. Pobres peças soltas que compõem estes corpos mortais. A alma, o espírito, esses são inquebráveis, invioláveis perante esta lâmina. Já as palavras, essas, podem ser mortais e transformar um gigante num fantasma vagueando perdido e inerte.
Haikais muitos tenho, de uma vida inteira de reflexão. Não precisas de pedir, adivinhou o velho samurai, ofertar-te-ei um que possa talvez ajudar-te na busca dessa palavra pela qual tanto desesperas.
E o samurai embainhou a espada no seu cinto púrpura, alisou delicadamente as mangas do seu kimono alvo sarapintado de flores laranjas e proferiu num tom decidido, quase brusco:
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A borboleta flutua
A lua adormece
Quando dançarás tu?
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O Escritor guardou o haikai numa caixa de madeira secreta na sua memória e, antes de se afastar, olhou uma última vez a espada longa que pendia da cintura do velho senhor da guerra.
E entendeu.

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