O Escritor de Todos os Escritores
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O Escritor sabia que provavelmente o que se seguiria seria um monólogo deprimente, humilhante, mas mesmo assim persistiu na ideia descabida.
Subiu a escada a correr até ao topo. Era-lhe permitido subir, claro, apenas para ver a vista. A escada apenas significava algo se fosse subida a pulso, durante a vida, a escrever. Subindo deste modo, à "penetra", a escada constituia apenas uma escada normal, em caracol, levemente vertiginosa. A escada não lhe permitiria assimilar nada e não receberia nada em troca. Ele não tinha certeza sequer de poder comunicar com quem queria, uma vez chegando ao topo.
Quando galgou o último degrau olhou em redor e não viu nada. Uma neblina branca e opaca descia sobre si, toldando-lhe a vista. Tanto quanto se podia aperceber, deparara com o vazio absoluto. Ouviu então um som, uma espécie de murmúrio e rodou a cabeça em todas as direcções, procurando a sua origem. Apurou o ouvido, já que perdera completamente a esperança de conseguir discernir alguma coisa com a vista. O murmúrio persistiu e, ao mesmo tempo que tentava encontrar-lhe alguma espécie de inteligibilidade, apercebeu-se que estava rodeado de palavras brancas e opacas e que essas palavras ecoavam no espaço em seu redor o que o murmúrio sussurrava. Era como se, à medida que eram ditas pelo murmúrio, se materializassem junto de si.
"James? ...", aventurou numa voz sumida e miudinha.
Por qualquer motivo tinha receio de despertar algum tipo de ira sobrenatural. Demais a mais, sofria de vertigens e não lhe estava a apetecer um mergulho de décadas de degraus até lá abaixo.
No espaço à sua frente surgiu um par de óculos de lentes de fundo de garrafa, suspensos como por magia. E depois lembrou-se. Aquele que procurava ficara cego nos últimos anos da sua vida. Seria por esse motivo aquele vazio?
"James ...", repetiu, "Ajuda-me, não sei o que fazer. Toda a minha vida ... toda a minha vida ...", e não conseguiu continuar.
Ouviu a sua própria descrição. O murmúrio sussurrava a descrição da sua pessoa e as palavras que o constituiam aglomeravam-se à sua volta, abraçavam-no, enlaçavam-no docemente, como fitas delicadas de cetim branco, entrelaçando-se nos seus membros, adequando-se ao seu vulto, penetrando-lhe a mente. O murmúrio continuou, descrevendo-o não apenas fisicamente mas intelectualmente, as suas emoções, as características da sua personalidade, a forma como escrevia, os pequenos detalhes da sua vida, todas as insignificantes insignificâncias que o constituiam. Deixou-se ficar maravilhado, atordoado, estupefacto, a ouvir-se. De quando em vez esticava um braço e brincava com uma palavra que se lhe enrolara na pele. Deixava-se acariciar, embalar por aquela ladainha suave, precisa, rítmica que o refazia em si mesmo, que o replicava diante de si próprio, não como um clone, mas como um outro eu enriquecido.
"James ...", repetiu, agora maravilhado, a voz embargada de comoção, "Estás a escrever-me, James, obrigada ... obrigada ..."
Sabia que não se podia levar a si próprio. Sabia que aquilo seria apenas um momento único, irrepetível, efémero, que perduraria apenas na memória que conseguisse guardar dele. As palavras pertenciam à escada e não poderiam ser levadas. Contemplou-as, as suas combinações, intensamente, obssessivamente. Amou-as, como só um Escritor pode amar palavras, sobretudo as que foram escritas pelo Escritor de Todos os Escritores sobre si próprio.
Depois desceu novamente, a comoção enchendo-lhe o coração de entusiasmo renovado pela sua arte.
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com a mais profunda humildade, inspirado em e dedicado ao incomparável James Joyce
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