quarta-feira, 6 de maio de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON XIII

O Biólogo Teimoso
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O Biólogo estava junto de um chimpanzé e observava-o, embevecido.
O Escritor aproximou-se e desabafou:
"O ADN é algo fabuloso."
"Sim.", respondeu-lhe o Biólogo, sem tirar os olhos do chimpanzé, "A linguagem da vida. Capaz de infinitas combinações."
"Tal como as palavras."
"Ainda mais do que as palavras. Ou acha que uma palavra possui a mesma complexidade que um ser humano ou mesmo uma mera mosca da fruta?"
"Bem ... ando precisamente à procura de uma palavra que resuma uma vida inteira."
"Parece-me pouco provável que a encontre. Na verdade, acho mesmo impossível."
"Mas uma palavra pode ter milhares de interpretações. E ganha novos sentidos de cada vez que se muda de língua."
"Sim, mas não acha que resumir uma vida a uma única palavra, por mais sentidos que ela tenha, é muitíssimo redutor?"
"Pode ser que dependa da palavra."
"Repare.", e o Biólogo abandonou finalmente a observação do seu chimpanzé e olhou o Escritor nos olhos, "Este chimpanzé tem cerca de 98,7% do seu ADN igualzinho ao seu e ao meu. E veja a diferença descomunal que apenas 1,3% de combinações diferentes das quatro proteínas que compõem o seu ADN pode fazer. Ele não é capaz de falar, apenas articular alguns sons. Apesar de poder aprender a compreender linguagem gestual, o chimpanzé nunca poderá ser capaz de produzir obras de arte ou discursos coerentes que o levem a filosofar, por exemplo. E mesmo assim, uma única palavra não serviria para o descrever. Ele é diferente de todos os outros chimpanzés. É um ser único e insubstituível, com um humor próprio e características de personalidade que o distinguem dos outros companheiros da sua espécie."
"Sou teimoso, que quer? Sem teimosia o ser humano não teria chegado onde chegou."
"Mas teime à vontade. É livre de o fazer. Apenas penso que muito dificilmente poderá resumir toda a sua vida numa única palavra. E para quê?"
"Não sei. Porque as respiro, como ar. Porque as amo. Porque ... me apeteceu."
"Então deveria querer usá-las todas para se descrever. Já pensou nisso? Conseguir usar todas as palavras existentes para documentar a sua vida."
"Tarefa hercúlea e inútil. Uma única palavra é um desafio maior. Um escritor é escritor porque aprende a desbastar, percebe? Até chegar ao essencial."
"Também se pensava que decifrar o código genético era impossível e veja onde estamos. Daqui a poucos anos os mais potentes computadores serão capazes de apresentar a sequência completa do código que compõe um ser humano. A partir daí, as possibilidades são infinitas. Seremos capazes de decifrar a sequência de cada indivíduo em particular."
"Estaremos resumidos a um código numa página quilométrica de papel?"
"Homem! Exactamente como você quer reduzir uma pessoa a uma palavrita insignificante."
"Está a querer comparar quatro simples moléculas com um alfabeto de 26 letras?"
"Estou. E mais. Essas quatro moléculas a que se refere com tanto desprezo, são capazes de combinações infinitas e mais complexas do que qualquer conjunto de palavras. São elas as deusas que nos criam a toda a hora. São elas as mães dos biliões de seres humanos que têm nascido desde que o Homem caminha sobre a Terra e serão as mães dos biliões que ainda estão para nascer."
"Bem, vistas as coisas por esse prisma, também as palavras são responsáveis por biliões de poemas, romances, pensamentos que foram e serão escritos pelos humanos até ao fim dos tempos."
"Mas lembre-se que as proteínas são apenas 4 e que as letras são 26 e que as palavras são aos milhões. É fenomenal a quantidade de variações que 4 proteínas possuem. Cada singular variação que produzem é uma obra-prima ambulante - você, eu, este chimpanzé."
"Você é mais teimoso que eu."
"Se não fosse teimoso, não poderia trabalhar com chimpanzés.", e o Biólogo sorriu para o seu espécimen e estendeu-lhe a mão.
O chimpanzé rebolou no chão e depois aproximou-se. Permaneceu quieto a observar os dois.
"Também ando à procura duma palavra, sabe?"
"Não me diga."
"Uma palavra que ele consiga entender. Uma única palavra. A partir daí, a partir do momento em que consiga entender uma, as possibilidades serão infinitas."
"Desejo-lhe boa sorte."
"Para si também. E desista."
"Não posso. Sou parecido consigo, teimoso."

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