O Saxofonista Que Vivia Preso Dentro da Gaiola
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O Saxofonista tocava dentro da gaiola e todos os canários voavam em redor da enorme estrutura gradeada e dourada, num remoinho, como loucos, procurando imitar, não o canto dos seus progenitores, como qualquer canário tenta a vida inteira, mas o pássaro enorme e negro que lá se encontrava dentro.
O Escritor encostou-se a um canto e esperou, em êxtase. Não soube quanto tempo passou. Não teve noção. Mas quando o Pássaro acabou de cantar, lá fora fizera-se noite e de novo dia. Porém, isso era indiferente ali dentro, porque a atmosfera do antro de álcool e fumo vivia permanentemente na penúmbra luminosa dos vapores e dos fumos crepusculares.
E quando o Pássaro acabou de cantar havia lágrimas nos olhos do Escritor e rastos de gorjeios encantadores nas gargantas dos canários exaustos, pousados por todos os cantos, nas mesas, no palco, nos intrumentos da banda abandonados, nas tábuas vazias do soalho, nos copos entornados e nos cinzeiros inundados.
O Pássaro limpou a testa com um lenço branco e chocalhou os ombros com uma gargalhada.
"Como é que fazes isso? Como és capaz disso?", murmurou o Escritor, sem fôlego.
"I just fly, man. I fly."
"E nos teus vôos, nesses teus vôos belíssimos, que vês tu? Que sentes tu? Enquanto voas?"
"I am free and I ... don't know, man. I just let it go, see? I just let it go and I don't know where I am anymore, and I am everywhere and nowhere.", encolheu os ombros.
"E a gaiola? Porque estás aí dentro? Como pode um pássaro como tu estar aprisionado assim?"
"I guess I put myself in here. Life's not as beautiful as it seems. I can't control myself.", e mostrou ao Escritor os braços cravejados de marcas de seringas.
"Podias ter vivido tantos mais anos ... tantos mais ... tantos ... podias ter tocado tanto mais ...", o Escritor abanou a cabeça sem conseguir terminar o que começara.
O Pássaro não respondeu. Em vez disso, os seus olhos deambularam pelo espaço, como se procurasse as notas que perdera pairando entre ele e as paredes. As suas mãos afagaram o saxofone e içou-o de novo à boca.
"Look, man. I don't talk much. I play. You want me to play for you? What do you want me to play? You tell me."
"Summertime, please. Play Summertime for me, Bird."
"Alright. I'll play Summertime for you."
"Mas antes, diz-me só mais uma coisa. Nunca perdeste uma nota? Nunca quiseste muito uma nota que nunca conseguiste encontrar?"
"No man, I never lost any notes 'cause I never looked for them. They just come to me. I let them come. Like this."
E o Pássaro tocou e ganhou asas e voou, apesar de estar aprisionado dentro daquela gaiola dourada de seringas. Voou e transformou-se em algo que não pode ser explicado, apenas sentido.
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inspirado em e dedicado a Charlie "Bird" Parker
inspirado em e dedicado a Charlie "Bird" Parker
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