sexta-feira, 5 de junho de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON XVII

O Político Persistente
dklfjkdl

çkfdçl
"Procuro uma palavra ... Procuro uma palavra ..."
E de imediato o Político o interrompeu, como era seu hábito, aliás.
"Diga-me, meu caro amigo, em que posso ajudá-lo?", e colocou-lhe o braço em volta dos ombros, numa intimidade que o Escritor achou demasiado apressada. Tentou afastar-se, sem êxito.
"Não viu por aí nenhuma palavra perdida? Talvez num dos seus discursos ...", perguntou, relutantemente. Não sabia muito bem se lhe agradava prosseguir este diálogo.
"Não ... não ... Com efeito, não. Aliás, devo dizer-lhe que ainda bem que me fala nesse assunto específico, porque na realidade estamos neste preciso momentos a desenvolver um projecto para a criação de um departamento camarário exclusivamente dedicado à procura de objectos perdidos."
"Mas ..."
"E com toda a certeza nunca nos passou pela cabeça que poderia haver também muitos cidadãos em busca de palavras perdidas. É curioso, não sabia que se podiam perder palavras."
"Mas podem. A toda a hora. E com a idade, cada vez mais. É curioso, a idade traz mais sabedoria, mas menos poder de absorção. Digamos que temos uma espécie de saco mágico de onde poderemos retirar muitas mais palavras, mas ao mesmo tempo elas podem esvanecer-se no ar rapidamente."
"As malditas ... as malditas ... Eu vou desde já estabelecer aqui um compromisso consigo em como o novo departamento da câmara terá uma divisão especialmente dedicada à procura de palavras perdidas.", e sorriu, um sorriso irritante de campanha eleitoral.
O Escritor devolveu-lhe o sorriso amarelo, sem saber o que acrescentar, porque achou todo aquele discurso verdadeiramente pateta e uma perca de tempo.
"Sabe, amigo ...", continuou o político, "As palavras são objectos muito interessantes. O que é que o meu amigo faz na vida, se me é permitido perguntar?"
"Sou escritor. Mas ..."
"Ah! Um poeta, um artesão de palavras, sim senhor. Sim senhor! A cultura é um dos nossos maiores bens, um bem inestimável que é preciso preservar a qualquer preço. A cultura eleva-nos, eleva os povos à sua condição máxima, potencializando efectivamente os recursos humanos que são uma parte essencial da criação da riqueza nacional."
"Mas as palavras não são objectos ...", balbuciou o Escritor, levantando uma sobrancelha e tremendo um pouco o lábio inferior, não acreditando na quantidade de pateticidades que estava a ouvir. Nem sequer tinha a certeza de ter percebido metade do que o outro dissera.
"Claro que não são! Claro ... que não são! Efectivamente não são objectos. Tem toda a razão. As palavras são ... as palavras são ... são expressões máximas da razão, são as ferramentas da linguagem com que comunicamos e o sumo do pensamento.", e sorriu de novo, parecendo extremamente satisfeito com a série de alegorias que acabara de estabelecer no que parecia um exercício espontâneo.
O Escritor arriscou perguntar: "E o senhor nunca perdeu nenhuma palavra?"
"Meu caro amigo, eu nunca perco nada. Isto é um segredo que partilho consigo ...", e o Político encostou-se mais ainda ao Escritor, apertando ainda mais o braço em redor dos seus ombros, "Um Político não perde nunca. Um político recicla. Ideias, ideais, vontades, slogans, campanhas, votos, propaganda, programas, políticas, tudo!"
"Como assim?"
"Ó meu caro amigo. Veja bem, um político não se pode dar ao luxo de perder nada. Perder é perder a esperança. E a esperança é o lume onde arde a vontade das massas. Na política nada se perde, tudo se transforma. Talvez pudesse aplicar esta máxima à sua palavra perdida. Em vez de a procurar, transforme-a em algo que tem dentro desse seu saco mágico. Vai ver que resulta, amigo!"

Sem comentários: