quinta-feira, 22 de julho de 2010

MURMÚRIOS DE LISBOA XCVII

Cerejas
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O pombo atravessa o rio, sobrevoa alguns instantes o castelo e as velhas casas caindo em cascata e depois desce suavemente, poisando numa varanda adornada de malmequeres amarelos e brancos.
Amanhece em mim. Olho e olho-me. E nesse puro instante de limpidez páro. Respiro, mas não dou conta que respiro. Suspendo-me e o tempo suspende-se comigo.
Está calor. Um desses raros dias (já não tão raros, da maneira que o mundo anda ...) em que os termómetros de Lisboa rebentam para os 40º e a cidade parece pingar arfante, até o sol se dignar o derradeiro mergulho nas águas do Tejo.
Sem tirar os olhos da lenta agonia que se desenrola lá fora e que mancha o céu de rastos rosa e o rio de brilhantes cintilantes, penso:
As conversas são como as cerejas e as cerejas são lisboetas, que vão vivendo presos aos pares em carnudo convívio, numa eterna meia-estação.
Lisboa é talhada a tijolo e suja, e lá ao longe no mar de prata os cargueiros nascem parados para sempre num postal.

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