quinta-feira, 8 de julho de 2010

PALAVRAS ESTÚPIDAS 101

James - Parte V
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Em Ulisses Joyce insinua que a maioria das pessoas, por baixo das superficialidades da personalidade, são tipos e não indivíduos, ou seja, somos todos iguais, mais ou menos, uns aos outros e variamos pouco entre nós. Numa cultura de massas, as poucas ideias ou sentimentos únicos de uma pessoa são facilmente deformados para se transformarem em clichés convencionais - de outra forma, todos nós seríamos artistas!
Joyce leva a sua afirmação ainda mais longe, sugerindo que nem mesmo os nossos monólogos interiores são verdadeiramente nossos.
Esta afirmação, embora representasse uma ideia nada agradável, não fazia mais senão repetir o que Jung já tinha demonstrado, acrescentando um facto importante - que o "mesmo" podia de alguma forma tornar-se no "novo".
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O romance foi desde sempre um artefacto, uma farsa para representar a realidade, mas agora, com Joyce, passa a ser uma farsa assumida - e o autor quer mostrar os pregos do mecanismo, em vez de "usar arte para esconder arte", como se fazia no passado. Ao desmistificar o mecanismo de construção do próprio romance que se propôs escrever, justapondo tantos estilos diferentes de escrita (um estilo diferente por cada capítulo do livro), Joyce pretende demonstrar o quanto é deixado por dizer por todos eles, mostrando a limitação de todos.
Tem sido argumentado que dentro deste conjunto de modos, não existe nenhum estilo propriamente joyceano. Tradicionalmente, "estilo" é suposto representar a forma única de um escritor ver o mundo, mas isto nunca impediu o julgamento de um estilo "bom" ou "mau". Joyce foi um dos primeiros artistas modernos a apreciar que o estilo era menos a marca da personalidade de um escritor e mais o reflexo da prática linguística aprovada num dado período histórico. O que parecia um estilo pessoal, frequentemente não era mais do que a descoberta de uma nova convenção, como quando Hemingway descobriu que era mais eficaz descrever acções em linguagem telegráfica, em vez das circumlocuções intermináveis victorianas.
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Joyce previu que a palavra escrita estava condenada ao declínio, numa era de comunicações electrónicas. O facto de as palavras terem de ser escritas aborrecia Joyce, que se angustiava com tudo o que se perdia na transição do éter para o papel. E isto é absolutamente surpreendente, num artista que tinha poderes expressivos extraordinários, e apesar da habilidade com que realizava o seu génio! Se ele estava descontente, o que seria dos outros, a léguas de distância de si próprio?
Ulisses é, pois, um livro que pede que se façam sérias considerações à possibilidade de que qualquer pessoa poderia tê-lo escrito. Se as nossas palavras raramente são mesmo nossas, sugere Joyce, então também os enredos não são nossos, podendo ser pedidos emprestados a Homero, como é o caso de Ulisses. Ele afirmava muitas vezes que a melhor parte do seu material havia sido pedido emprestado aos cidadãos de Dublin e orgulhava-se perversamente de partilhar com Shakespeare o facto de nunca ter criado um único enredo original.
Anulando-se uns aos outros, os diferentes estilos de Ulisses recordavam ao leitor que mesmo a melhor literatura não passa de uma imitação parodiada da verdadeira experiência da vida.
O que torna Joyce um escritor radical é a sua vontade de questionar, não apenas os poderes expressivos da linguagem, mas também a própria instituição da literatura - a sofisticação máxima.
Ao levantar dúvidas acerca do meio literário, Joyce está a questionar o mesmo meio através do qual essas dúvidas são expressadas.
Joyce atingiu o ponto terminal do modernismo - quando uma cultura, tendo florescido, se auto-anula radicalmente.
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retirado da introdução de "Ulisses"

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