quinta-feira, 29 de julho de 2010

Where The Streets Have No Name

Bor II
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Macro Nota Euro
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Decidiu pensar mais um pouco. No avô. Desde que começara a vasculhar as coisas do avô que tudo lhe parecia estranho, deslocado. Descobrira muitas coisas estranhas mas, por qualquer motivo, a sua vida em comparação com a do bisavô descrito nos papéis do seu filho, é que lhe começara a parecer estranha.
No tempo do bisavô o mundo era das pessoas. Estranho. Eram as pessoas e não as Mães que mandavam. Havia países, muitos. E guerras entre os países. Como tribos. Guerreavam-se constantemente e alcançavam o poder e depois voltavam a guerrear-se, sobretudo por causa duma coisa chamada dinheiro. Ele tinha encontrado um exemplar do dinheiro no caixote do avô. Uns papéis às cores e umas coisas de metal redondas, todas com um determinado número. O dinheiro era numerado, não havia nomes. Quer dizer, havia, mas só os nomes das pessoas que apareciam nos papéis coloridos e que eram pessoas importantes dessa época. Presidentes, por exemplo. Um presidente era como uma Mãe-Chefe. Só que humano. Havia muito mais homens chefes do que mulheres, no tempo do bisavô. Bem, não se podia dizer que as Mães eram mulheres porque não tinham sexo. Discutir o sexo das Mães, seria um pouco como discutir o sexo dos anjos. Mas pelo menos eram tratadas como femininas. O dinheiro servia para obter tudo no tempo do bisavô. Até alimentos. Não havia rações. Ia-se a uma coisa chamada supermercado e comprava-se o que se queria.
Aparentemente, no tempo do bisavô podia-se muitas coisas. O céu era azul. Azul! Havia uma série de condições atmosféricas como chuva, sol, vento e neve. Havia inclusivé estações do ano. Na Primavera as flores nasciam. No Verão ia-se à praia tomar banhos de mar. No Outono caíam as folhas das árvores e no Inverno havia neve e frio. Tudo se passava ao ar livre. Viajava-se de uns países para outros de comboio, avião, carro. Ar, terra, mar. Tudo separado, compartimentado. Até as pessoas. Havia os pobres que viviam em barracas ou favelas. Os da classe média que trabalhavam em muitas coisas diferentes e tinham apartamentos. Havia médicos, políticos, agricultores, vendedores. Havia os ricos que tinham até ilhas inteiras no meio do oceano.
Com efeito, parecia-lhe tudo imensamente estranho. Mas ao mesmo tempo havia uma coisa que lhe parecia ainda mais estranha – as pessoas pareciam viver livremente, como queriam. Escolhiam o que queriam ser. Escolhiam para onde queriam ir. Havia até pessoas que escolhiam não ser nada, como algumas que decidiam ir para mosteiros ou simplesmente morrer. Suicídios. Fora uma coisa que lhe fizera muita confusão. Uma pessoa podia decidir acabar com a sua vida. Era um pouco difícil, tinha que ser feito às escondidas, mas de
qualquer modo era possível, e a prova disso era que havia milhares de suicídios.
Depois havia substâncias. Álcool, drogas. Que alteravam as pessoas. E que também provocavam a morte de muitos milhares. Mas eram de venda livre.
Parou. Olhou para a enciclopédia que começara a ler há uns meses atrás. Encontrara-a por acaso, juntamente com o caixote do avô, num compartimento do apartamento que a Mãe-Inspectora aparentemente não conhecia.

A Mãe-Inspectora aparecia uma vez por mês para revistar os apartamentos de alto a baixo. Era uma rotina, desde que nascera. Mas nos últimos meses questionara-se sobre a razão pela qual teria de existir uma Mãe-Inspectora, como se toda a gente fosse uma criança. Tinha quarenta e quatro anos. Com a sua idade o bisavô tinha já constituído família, tinha tido quatro filhos. Ele ainda não fora sequer introduzido no Programa de Descendência. Aguardava a autorização para o treino há anos.
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Cofiou a barba e levantou-se. Tinha mesmo que comer. Pegou no ovo que repousava dentro duma caixa metálica compartimentada em seis. No seu mundo a única coisa que era compartimentada era a comida. De resto tudo era comum. Até os apartamentos. Dividira-o até há um ano com o Grug. Só que o Grug desaparecera há um ano atrás, subitamente, da noite para o dia. Depois vieram substituir-lhe o PacMaster. Foi uma chatice porque teve de refazer do zero a base de dados toda do inventário das rações que estavam a seu cargo. No tempo do bisavô, as pessoas deixavam cartas quando se suicidavam. No seu tempo, pura e simplesmente desapareciam. Ele suspeitara que o Grug tina andado a fazer coisas que não devia com o PacMaster. Mas não havia maneira de saber. Ainda tentou enviar um Pedido de Informação para a Central da Cúpula, mas nada. Ilac, o seu vizinho do 08210050, que tinha um conhecido a trabalhar na Colónia de Alimentação da Europa, segredou-lhe apenas uma vez: “Deve ter ido servir de combustível.”

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