terça-feira, 2 de dezembro de 2014
sábado, 29 de novembro de 2014
Lisbon - Day 15300 and something ...
Existe um canto lisboeta que é meu e onde não há gente parva. O único, onde me sinto em casa. Começa no Marquês de Pombal, vai pela Avenida da Liberdade fora e desagua na Baixa-Chiado, ramificando-se para a direita, esquerda e novamente para baixo, até ao Largo do Camões, Praça do Comércio e Rua da Madalena.
Esse era o caminho da aventura, quando eu era pequena. Percorri quilómetros com a minha mãe, vezes e vezes sem conta, por essas paragens. Era o caminho da liberdade, da alegria e da descoberta. Era o caminho que fazíamos quando eu não tinha escola e íamos às compras. Buscar roupa, pouca nesses dias. Buscar tecidos, botões, rendas, feiche-eclairs para a avó fazer as suas costuras. Levar sapatos ao sapateiro. Procurar relojoeiros antigos. Descobrir panelas na Pólux. Levar uma boneca ao Hospital de Brinquedos da Praça da Figueira. Procurar lãs coloridas para fazer camisolas. Ir aos Cinemas Tivoli, São Jorge e Condes. Ao oculista da Travessa de Santo Antão. Ao Coliseu assistir ao circo de Natal da Fidelidade. Mais tarde o Centro Comercial Guérin, o primeiro centro comercial da Baixa depois das Galerias do Chiado. Os Grandes Armazéns do Chiado e a R. Garret, cara e inacessível para nós na altura, mas onde a minha mãe gostava de passear e recordar onde ía com a Abuelita quando a mãe tinha dinheiro suficiente para frequentar as lojas exclusivas dessa rua. Nos Grandes Armazéns e quando o meu irmão ia connosco, envergonhava-me porque tinha um tique que era andar atrás de nós a pousar um joelho no chão. A minha mãe ria-se, eu zangava-me de vergonha. As floristas do Rossio. E tantas, tantas, tantas outras lojas e coisas que agora não me recordo.
Ontem andei por lá à procura de lojas de decoração e móveis e lembrei-me que é essa a minha Lisboa. Aí as pessoas não são parvas. São simpáticas, características e educadas. São engraçadas e agradáveis. As simples e as mais sofisticadas. Não as empregadas parvas novas das lojas novas. Essas não são dali, deviam ser expulsas daquela zona. Não pertencem ali, não lhe são nada, não percebem nada. Não são como os dois senhores que estavam na loja de candeeiros e que me fizeram rir e chorar de alegria e nostalgia. Perguntei-lhes o preço de um candeeiro e os senhores, um mais velho e outro gordo e mais novo, provavelmente o neto, reviraram a loja toda à procura da tabela de preços, enquanto murmuravam "Mas onde é que ela pôs isto?" Ri-me com eles, não deles. Ri-me e depois tive vontade de chorar, porque me fizeram lembrar o relojoeiro Sr. Martins, o sapateiro, a Dona Lurdes do talho, na R. de Santa Marta, onde íamos quase todos os dias às compras. O senhor deu-me um cartão da loja e pediu-me muitas desculpas e olhou para mim como os senhores antigos olham para senhoras jeitosas, com educação e uma pontinha de sedução enternecedora.
Tinha-me esquecido que é essa a minha Lisboa. Que nessa Lisboa eu sempre encontrei e ainda encontro ternura.
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sexta-feira, 28 de novembro de 2014
Lisbon - Day 15300 and something ...
Algumas considerações:
* Primeiro foram os vistos dourados, depois o Sócrates e agora o BES - é impressão minha ou anda alguém a tentar acabar com Portugal?
* A Teresa Guilherme é maquiavélica. E por isso mesmo, e apesar de já se justificar um Big Brother para adultos, ela não quer porque sabe que com os adultos seria impossível enrolá-los à volta do seu mindinho como faz tão bem com os anormais que escolhe actualmente. Palavrões? Bahhhh isso já sabe a pouco. Pontapés? Coisa pouca .... O que está a dar são cuspidelas, insultos escatológicos e masturbações em grupo. Sim, porque sexo ao vivo também já é completamente démodé. A única coisa que falta é sexo durante as cadeiras quentes com a Voz a perguntar quantos pontos cada concorrente dá aos participantes. Porque é que ninguém fala disto? Se os comentadores acham que estariam a rebaixar-se ao falar disto, pensem duas vezes. Existe um pacto de silêncio em volta de uma das mulheres mais poderosas do país - ela manipula não sei quantos milhões de pessoas todos os dias antes, depois e depois do Telejornal e ainda em prime-time. E ninguém comenta isto? Acho que deviam ...
* E já agora, porque é que não há nenhum comentador que tenha a coragem de chamar os bois pelos nomes e dizer aquilo que toda a gente sabe - o Mário Soares está ché ché e não deveria aparecer na televisão a dizer bandalhadas. A velhice é uma tristeza e também uma realidade.
* E já que estou nesta onda, tudo o que se ouve e vê na televisão é manipulado, o que significa que vivemos literalmente num mundo virtual. A realidade existe ... algures ... por aí ... mas não sei onde ela está e não tenho nem tempo nem pachorra para a descobrir. Mas ao menos eu tenho consciência disso. Muitos há que não têm e isso também é triste.
* O Herman José trata a Vanessa mal como o caraças, mas aceitou trabalhar com ela. Isto é um paradoxo, ou não. Há gente que tudo faz para brilhar, mesmo que seja à custa dos outros. E gente há que permite que isso aconteça em directo, para todo o país assistir. Os circos já não são de vaidades, como Tom Wolfe escreveu. Isso era na década de 80. Hoje em dia os circos são de humilhações públicas e voluntárias. Voltámos aos gladiadores romanos, mas sem dignidade. Ao menos nesse tempo erra palavra ainda existia.
* Os vendedores deste país não trabalham. Não sei o que fazem, mas trabalhar é que não é. Devem conversar muito. Estive mais de um ano à procura de casa. Encontrei-me com dezenas de vendedores. Dois apareceram a horas e alguns ficavam ofendidos quando comecei a dizer que só esperava mais 5 minutos por eles .... (olhos abertos de estupefacção). Quando peço orçamentos, nunca me respondem antes de uma semana. Uma semana! Nasci no país errado. Uma semana é muito. Atrasos de 5 minutos também. Para os lisboetas não. Nunca compreendi isto. Palavra de honra que não. Mas sei que sou bicho raro. Deve ser da educação inglesa ...
* Passei a minha vida inteira à procura de ternura. Tenho a certeza que não a vou encontrar em Lisboa.
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quarta-feira, 19 de novembro de 2014
Sonho #3
Blue Lagoon
Como com todos os sonhos, é sempre melhor e pior do que se esperava.
A parte da lagoa mais bonita estava fechada, suponho que porque havia menos gente.
A Islândia inteira cheira a enxofre e a Lagoa Azul muito em particular. Mas é tal e qual como a coca-cola, primeiro estranha-se e torce-se o nariz, depois entranha-se e habituamo-nos.
Como, perguntarão? O cheiro a enxofre é provavelmente o pior cheiro do mundo, e talvez por isso e também por vir de debaixo da terra, seja associado ao demónio. Apelidei a Islândia de Bom Inferno, porque cheira a enxofre por todo o lado, mas as suas gentes são pacíficas e agradáveis e o país é um Paraíso gelado escondido nos mares do norte do Atlântico. Se tivesse deslizado no mapa-mundo um pouco mais para baixo, seria os Açôres, e vice-versa, se os Açôres tivessem navegado mais para norte, seriam a Islândia.
Antigamente, dizem-me, a Islândia estava, tal e qual os Açôres, cheia de árvores. Depois os vikings começaram a desbastá-las todas e a cortá-las para construírem os seus barcos guerreiros que atravessariam os mares até ao continente americano para conquistarem e pilharem outros povos. A Islândia acabou por ficar despida de verde. Dizem-me também que está em curso um plano de reflorestação em determinadas zonas e que isso irá alterar por completo a paisagem lunar islandesa. Quem a visite daqui a 10 anos, tempo de as árvores crescerem, conhecerá uma outra Islândia.
Eu conheci uma Islândia plena de constrastes, mas sempre nua. Ou branca de neve e gelo, ou negra de lava solidificada, ou multi-acastanhada de rochas de diversas naturezas. O céu, esse, é sempre o mesmo e muito parecido com o nosso - azul pontilhado por grandes nuvens brancas.
Talvez regresse em dez anos, para ver duas coisas que não consegui - as baleias e a aurora boreal. A caça às baleias deu apenas em 3 golfinhos tímidos e fugazes e a aurora boreal fez-se difícil por causa do tempo neblinado.
Cumpri, isso sim, o meu sonho, nadar nas quentes águas da Lagoa Azul, ao final da tarde. São mesmo quentes. Cerca de 38ºC. É fantástico. Cá fora estão 10º e lá dentro um forno. E são mesmo azuis. Um azul indigo forte e vaporoso. Vale a pena.
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terça-feira, 28 de outubro de 2014
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Lisbon - Day 15300 and something ...
De volta a Lisboa. Saio para a rua e embato num portão fechado porque o Metro fez greve e numa bicha (não é fila, é bicha mesmo, à antiga), na barraca de venda dos passes.
Começo bem a rentrée ...
Depois penso, será que ainda me sinto tão lisboeta quanto há uns meses atrás?
Acho que não ... Ando mais lá fora do que costumava e começo a sentir-me cada vez mais uma cidadã do mundo, em vez de uma alfacinha. Digamos que sou cada vez mais uma salada mista - americana, inglesa, japonesa, islandesa, and so on, and so on, I hope ...
Tenho, sempre tive, voltei a ter uma relação de amor-ódio com Lisboa.
Quando era mais nova adorava partir de Lisboa e odiava regressar a Lisboa. Isto quando morava com os meus pais.
Depois passei a gostar de voltar, quando passei a viver sozinha.
Agora ... acho que me começa a ser um bocado indiferente, porque sei que brevemente partirei de novo e por isso Lisboa passou a ser uma espécie de minitrampolim para outras paragens. Quaisquer, o que interessa é partir e não ficar cá muito tempo. As próximas serão Verona e um regresso a Veneza para o Carnaval, Moscovo e São Petersburgo e Escócia para assistir ao Campeonato do Mundo de Ginástica. Will the Flying Dutchman be there? I really hope so ...
Anyway ... where was I?
Ah sim! Love-hate Lisbon.
É a minha cidade. Ponto. Gosto dela? I guess so ... mas só porque é a minha cidade e de qualquer das formas nunca a senti muito como minha.
As pessoas são parvas, as coisas não funcionam, as ruas estão cheias de buracos, enfim, eu podia continuar por aí fora mas a principal razão são mesmo as pessoas - parvas como o c....
Não gosto de portugueses, mas tenho de viver com eles porque, afinal, são os únicos que falam a mesma língua que eu. Gostaria de viver noutro sítio? Talvez em Itália. Good pasta, good weather, nice people and la dolce vita. Os italianos sabem viver, mas ... têm mais burocracia do que nós e o Mostro di Firenze. Mas eu gosto de serial killers, por isso ... e o meu serial killer preferido escolheu Florença. Tem bom gosto. Itália é o país que melhor conheço - a animada Roma, a bela Florença, a encantada Veneza. S. Paul de Vence em França é outro sítio onde poderia viver, mas, hélas, está cheia de franceses, que são porcos, ordinários e estúpidos.
Nova Iorque não é uma opção. Por mais que goste da cidade, o problema são os americanos e ... os americanos, apesar de que os nova iorquinos não são americanos, tenho cá esta teoria. São aliens.
Londres nem pensar, apesar de lá ter família perto. Gosto de chuva, mas não tanta.
Resumindo, o regresso a Lisboa é sempre depressivo, especialmente depois de ter estado no Paraíso.
Mas também não aguentava viver no Paraíso 365 dias por ano. Ou 365 anos por dia.
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domingo, 19 de outubro de 2014
Paradise - Day 15
Juventude
Foi Oscar Wilde quem disse que a juventude é o nosso maior tesouro. Mais do que a beleza, tão cara ao autor irlandês, na sua opinião, a juventude era a melhor coisa que podemos ter.
A juventude é, acrescento, também o maior sadismo da vida. Enquanto a temos não fazemos ideia do que temos, não fazemos ideia de que somos deuses, belos, perfeitos, saudáveis, plenos de energia, emoção, garra e sonhos. Pelo contrário, achamo-nos imperfeitos, queremos crescer à viva força, para que nos seja permitido fazer tudo aquilo que queremos.
Não sabemos, não imaginamos, que já temos tudo, que temos o essencial, que temos a única coisa que interessa possuír - juventude. Mais até do que a juventude física, é a juventude mental. A capacidade de acreditar, de sonhar, de julgar o mundo pleno de eternidades, de nos apaixonarmos vezes sem conta pela mesma coisa ou por coisas totalmente opostas.
Somos deuses, sem o sabermos. Porque podemos tudo, sem o suspeitarmos. Porque temos tudo, sem adivinharmos. E só quando somos jovens é que somos deuses. Depois tornamo-nos simples mortais, caímos aos trambolhões do céu, embatemos no chão vezes e vezes sem conta e só então, só então percebemos que fomos deuses. Sem maleitas, sem medos, sem sofrimentos, sem nostalgias, sem saudades.
Custa muito. Às vezes não queremos ver a verdade que paira à nossa frente há demasiado tempo. E continuamos a puxar o cavalo da juventude, continuamos a pedir-lhe que galope como o vento e que nos transporte como a força das tempestades e o brilho dos arco-íris mais fantásticos. Continuamos a puxá-lo, por vezes durante muito tempo, até que subitamente algo nos faz perceber que temos andado iludidos, que a juventude já passou por nós e que não regressa mais, que o cavalo está cansado e tem de abrandar.
Finalmente, olhamos para trás através do espelho que nos colocam à frente e percebemos que a nossa juventude não nos acompanhou, ficou cristalizada num tempo e num espaço que nunca compreendemos totalmente quando e enquanto lá estivemos.
O aparecimento do delfim na praia foi o meu espelho. Deixou-me nostálgica, enquanto abandonava a praia nesse dia e só então percebi o que se passara. O delfim confrontou-me com o meu passado, levou-me de rompante dois anos atrás, ao momento exacto em que perdi a minha juventude, porque a primeira vez que o delfim apareceu foi precisamente há dois anos atrás, um mês depois de a minha mãe ter morrido.
Quando morreu, percebi, a minha mãe levou a minha juventude com ela. Só agora me apercebi disso. O meu cavalo ficou lá atrás agarrado às sombras das duas projectadas na areia do Paraíso. Uma maior, a minha, outra mais pequena, a dela. Hoje é só a minha que se projecta à minha frente na hora do ocaso, enquanto caminho à beira-mar. Percebo finalmente que não sou jovem, porque agora só eu caminho pela vida, sem costas, sem as asas do anjo que me protegeu de todos os monstros da vida.
A minha juventude ficou aqui, no Paraíso, para sempre. Porque foi aqui que sempre fui mais feliz do que em todos os outros locais ou todas as outras alturas da minha vida. É aqui que a posso vir contemplar, sempre que quiser, mas não resgatar. E enquanto o Paraíso existir a minha juventude também existirá. Eternamente.
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Paradise - Day 14
Old Friends
Apareceram todos este ano, como
se tivessem combinado alguma coisa especial.
O senhor de barba branca e
cadeira branca, que se senta a tomar sol sem ser deselegante com as senhoras
que passam.
O amigo alemão, com os seus
livros e os seus cigarros e as suas banhas tostadas de sol.
A senhora que não se despe, e que
se senta sempre num promontório criado pelas marés vivas, a ler a tarde toda,
sem quase tirar os olhos do seu livro.
A rapariga que já não é rapariga,
mas que ainda se acha uma rapariga, com a sua sombrinha e a sua toalha, a sua
música, as suas revistas e livros, os seus blocos de escrita e os seus banhos
magníficos.
E o delfim ... deus do céu ... o
delfim que fez a sua primeira e única aparição há precisamente dois anos e
deixou de ser visto. Que apareceu subitamente na praia, com o mesmo andar
poético, uma t-shirt laranja, os mesmos óculos escuros espelhados, o mesmo boné
e a mesma linguagem corporal, sem saber o que fazer às pernas e aos braços
enquanto olha para ela subrrepticiamente de quando em vez, alternando com
miradas para o lado oposto, para disfarçar.
O delfim voltou a aparecer ... e
deixou-lhe uma nostalgia magoada no olhar quando abandonou a praia nesse dia.
Uma coisa que ela não consegue explicar nem encontrar explicação nas revistas ou
nos livros ou nos escritos dos seus blocos.
Old friends ...
Lonely friends ...
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sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Paradise - Day 13
A Gaivota e o Homem
Há uma gaivota sem uma pata. É um macho branco e
cinzento. À primeira vista parece uma gaivota igual às outras, salvo quando um
olhar mais atento percebe uma leve periclitância que conduz o olhar para as
patas e logo se percebe que afinal é apenas uma pata, que o seu par não está
afinal escondido entre as penas, pois que as gaivotas não partilham esse hábito
com os flamingos, por exemplo.
Há um homem, deitado lá para trás no areal, jovem e atraente, mas que permanece escondido do mundo, metido no seu próprio mundo, sem olhar as vistas, sem galar as mulheres. Quando se levanta, o homem fá-lo com a ajuda de um par de canadianas e revela a ausência de uma perna.
A gaivota sem pata é uma das mais antigas e afoitas. Levanta vôo tal e qual as suas companheiras inteiras, pousa quase tão equilibradamente como elas e é a primeira e das poucas a aventurar-se mar fora para pousar no colo das ondas grandes. Adivinha-se que se sente talvez melhor no caldo lânguido, embalada suavemente, poupando à única pata que lhe resta todo o peso do seu corpo leve feito de penas.
O homem atravessa o areal saltitando com a ajuda das suas muletas e senta-se com poucos percalços à beira do mar. Adivinha-se que já fez aquilo muitas vezes, que já é um hábito. Senta-se e olha o mar e pressente-se, mesmo ao longe, a vontade nostálgica de correr para as ondas e mergulhar nelas como em tempos já fez. Essa nostalgia é palpável.
A gaivota sem uma pata continua a poder voar. A pata é um mero acessório na sua anatomia primordialmente alar, concebida para o ar. A gaivota voa e não precisa de imaginação para o fazer.
O homem sem uma perna continua a poder andar, mal. A sua mente continua a poder voar sobre as ondas e a sua imaginação carrega o seu corpo na direcção dos sonhos que já não pode realizar.
A gaivota não sabe que existe o homem sem uma perna.
O homem não reparou na gaivota sem uma pata.
Os dois estão unidos, sem o saberem, sem nunca o saberem.
Ficarão unidos aqui, nestas palavras entrelaçadas por mim, sem nunca o imaginarem.
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quinta-feira, 16 de outubro de 2014
Paradise - Day 12
Gaivotas
Descobri que é possível dar de
comer às gaivotas em pleno ar. Algumas são exímias a apanhar bocadinhos de pão
desta forma, normalmente machos mais velhos e experientes.
Que há fêmeas tão ou mais
agressivas do que os machos alfa, que gritam estridentemente para afuguentar
até outros machos interpostos entre si e a comida. Provavelmente são fêmeas
mais velhas, companheiras preferidas dos machos alfa.
Que há gaivotas que conseguem
funcionar perfeitamente com uma perna apenas, pousando no chão tão
graciosamente como se o par estivesse intacto.
Que o troféu supremo é um peixe
inteiro e a sua caçadora é perseguida furiosamente pelo resto do bando, que se
digladia em pleno ar pela conquista do acepipe, roubando-se consecutiva e
descaradamente o peixe. Este é passado de bico em bico, cai na areia, é apanhado
em pleno ar, até que finalmente consegue ser definitivamente conquistado por um
membro do grupo.
Que há gaivotas tímidas,
medrosas, afoitas, corajosas, chatas, persistentes, teimosas, mázinhas,
egoístas ou sábias, tal e qual como os seres humanos.
E depois cismei. Terão as
gaivotas memória? Capaz de recordar alguém de ano para ano. Reconhecerão elas
cada pescador, como cada pescador reconhece cada uma delas? Ou pelo contrário,
de cada vez que vêem alguém é como se fosse a primeira vez, tal e qual como quando
se despedem do sol todos os dias, fitando-o serena e intensamente, pousadas em
grupo na areia, à hora do ocaso?
A eternidade é isso. Memória de
quem fica por quem parte.
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domingo, 12 de outubro de 2014
Paradise - Day 11
O dia começa bem. Uma tempestade
de proporções verdadeiramente bíblicas abate-se sobre o Paraíso entre as três e
as quatro da madrugada. Raios colossaís iluminam os céus e até os pescadores
não se aventuraram desta vez para o mar. As ondas ouvem-se, furiosas,
adivinham-se, monstruosas. Os trovões abalam as fundações do Paraíso, mas de
manhã um sol radioso acorda-me às 8 da manhã. Duas horas mais tarde salto da
cama e vou para a praia, estou há três, TRÊS dias sem molhar os pés, não pode
ser! Levo calças, por precaução, mas toalha e leituras. Quase que me aventurava
a partir dos tornozelos para cima para dentro do mar, mas ... a coragem
falta-me e ainda bem. Vou passear e abate-se novo dilúvio sobre mim. Corro para
casa completamente encharcada, mas mais feliz por ter tirado a barriga de
misérias, um bocadinho.
Olho o mar da varanda e, finalmente, percebo-o e
percebo-me. Porque gosto do mar? Nunca me tinha perguntado. É, subitamente,
óbvio. Em deambulações mentais sobre o desejo de ter uma casa permanente na
cidade que estivesse perto do mar, e recordando a absurdidade de alguém a quem
ouvi dizer que não suportava estar ao pé do mar (não me lembro quem, mas era
alguém famoso, e nunca tinha ouvido ninguém dizer que não gostava de estar
perto do mar), conjecturo que é impossível não se gostar do mar porque o mar
nunca é o mesmo, é sempre diferente, sempre novo, sempre outro, todos os dias.
E então percebo-o e, por consequência, percebo-me mais um pouco. Gosto do mar
precisamente porque o mar é inconstante na sua constância. É sempre o mar, mas
nunca é o mesmo mar. A água é sempre a mesma, mas nunca tem a mesma
configuração. É um animal medonho e belo, poderoso e avassalador, com ondas
sempre diferentes, açoitado por ventos provenientes de direcções sempre
diferentes, com matizes sempre diferentes, com espumas sempre diferentes, com
ruídos sempre diferentes, com abóbadas sempre diferentes. E eu, que levei anos
preciosos da minha rica vida para descobrir que uma das minhas características
essenciais é precisar de mudança constante, percebo agora porque gosto do mar.
Sou estável, mas inconstante, como o mar. Sou constante na minha inconstância.
Quem não perceber isto em mim, nunca perceberá nada de mim.
Gosto do mar.
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Paradise - Day 10
Segundo dia de chuva. Nova romaria a lojas, desta
vez por Tavira. Venho de lá com dois blocos novinhos em folha: um rectangular
com o mapa-mundo na capa, e um elástico com uma pedrinha transparente branca,
imitação de diamante, à antiga e outro quadrado com capa de seda e o desenho de
uma árvore com frutos coloridos; um íman osga verde com brilhantes para o
frigorífico; outro íman de uma casinha da vila com grades e um vaso saídos para
fora, em arame; um cavalo marinho de metal às cores para pendurar na parede;
mais um penduricalho para a colecção, desta vez com borboletas metalizadas em tons
de azul; e uma boneca sensacional feita de madeira, arame, esferovite e penas
que me faz cismar como há pessoas que dos mais simples materiais fazem
verdadeiras obras de arte. Eu também consigo fazer isto!, pensei imediatamente.
A questão é que depois da aventura comercial completamente falhada, não me
apetece ter dores de cabeça com lojas de artesanato, mesmo que desta vez fosse
com algo que eu gosto realmente de fazer. Talvez quando tenha 60 anos, se lá
chegar ...
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quinta-feira, 9 de outubro de 2014
Paradise - Day 9
De vez em quando, apetece que chova no Paraíso, para
descansarmos da praia. Assim foi hoje. Caiu um dilúvio matinal que não deixava
sequer avistar o mar do terraço. Nesses dias aproveito para dormir até mais
tarde, tomar o pequeno-almoço na cama, varrer o chão, gastar dinheiro nas
minhas duas lojas preferidas – a de roupa e a de sapatos – procurar coisas
inusitadas como cachecóis do clube extinto há cinco anos, tomar chá na varanda
e escrever e ler pela tarde fora.
Dei-me conta de um pormenor deveras interessante – é curioso
que tenha descoberto finalmente a marca de roupa diferente que adoro e a marca
de sapatos diferente que adoro precisamente no Paraíso. Andei a vida toda à
procura de roupa e sapatos diferentes e giros e estavam aqui, precisamente no
Paraíso.
Há coisas que parecem mesmo destinadas.
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segunda-feira, 6 de outubro de 2014
Paradise - Day 8
O Pescador
O pescador não é um verdadeiro pescador, mas um pescador de
fim-de-semana. Tem cara de índio das pradarias, da tribo dos Sioux, severo e
medonho, apesar de jovem. É moreno como chocolate, com longos e lisos cabelos
negros apanhados num rabo-de-cavalo e anda sempre acompanhado de duas longas
canas.
Senta-se à beira-mar a observar os fios das suas canas e
ocasionalmente repara nalguma sereia que passa. Só quando a sereia é bem feita
é que o pescador desvia o olhar dos seus fios para seguir o corpo bamboleante
pelo areal fora.
É paciente e persistente, capaz de esperar seis horas que o peixe morda
o anzol. Será assim também com as sereias?
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domingo, 5 de outubro de 2014
Paradise - Day 7
Em redor do Paraíso há outros paraísos quiçá mais bucólicos
e pacíficos. Não têm estranhos, nem bimbos, nem chungas, nem pederastas, nem
mirones ou naturistas que aparecem do nada com as partes pudibundas a
balançarem. Há bares com nomes como O Pescador, Casa do Sol e Sem Espinhas. É
tudo muito politicamente correcto e ascético.
Mas também não há pescadores mal dispostos, conquilheiros
atrevidos ou gaivotas imperiais, nem todas as outras coisas que fazem do
Paraíso um verdadeiro Paraíso.
Continuo a preferir o meu.
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sábado, 4 de outubro de 2014
Paradise - Day 6
A minha hora preferida na praia é a tardinha. Quando o sol
se começa a pôr e fica mais morno e confortável do que quente e agressivo.
Quando o mar está cálido e morno. Quando se sai da água e nos embrulhamos em
toalhas. Quando há menos gente e mais boa gente. Quando as gaivotas pousam
finalmente no areal em formação e se vêm despedir do astro-rei. Acho que a cena
dos anjos na praia a olharem o mar no filme “Cidade de Anjos” foi inspirada
neste hábito das gaivotas.
Quando o Paraíso fica ainda mais deslumbrante do que já é.
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sexta-feira, 3 de outubro de 2014
Paradise - Day 5
O Amigo Alemão
O alemão é meu amigo há uns três ou quatro anos, sem o
saber. Neste caso poderia aproveitar o ditado irlandês e alterá-lo para “Um
desconhecido pode ser um amigo sem o suspeitar.”
O amigo alemão é relativamente alto e gordo, com aquela
gordura do tipo pedófila, branca e banhosa, que parece arrastar-se em seu redor
como a gosma das lesmas quando se deslocam. É ruivo, tem o cabelo pelos ombros
e barba rala, nem carne nem peixe.
Aparece sozinho, sem sombrinha, acompanhado de cigarros e
livros. Gosta de jovens adónis e não liga pevas a mulheres. É por essa razão
que me sinto seguríssima ao seu lado e a praia ganha sempre contornos de campo
de concentração policiado por tropas nazis quando ele aparece. O amigo alemão
não levantaria as banhas para me proteger de nenhum pederasta, e provavelmente
até aplaudiria no seu íntimo se algum pederasta me apoquentasse o espírito, mas
nenhum pederasta se aproxima enquanto ele estiver pelas redondezas.
No primeiro ano que o conhecemos o amigo alemão foi
protagonista de um episódio trágico-cómico que deveria tê-lo afastado
definitivamente do Paraíso, mas não afastou. O que só prova que o alemão é
inteligente. Havia um velho pescador. No Paraíso há sempre um velho pescador em
qualquer história digna de nota. Havia um velho pescador que decidiu postar-se
no meio da praia, quando a maré estava vaza, e deixar uma engenhoca caseira
enterrada na areia para apanhar peixe. Compreendam. O velho pescador já não vai
para a faina no alto mar porque as suas pernas já não o aguentam, mas ainda tem
a nostalgia da pesca e por isso congeminou um absurdo rotundo que poderia ter
sido responsável pela morte de um turista incauto. A maré foi subindo e tapando
a engenhoca presa por um fio à mão do velho pescador. Ele postou-se no meio do
areal a servir de polícia sinaleiro, mas como não tinha a imponência de SS do
amigo alemão, ninguém lhe ligava muito e só por pura sorte é que não houve
nenhum pé enfiado no anzol escondido no fundo do mar.
Foi então que o amigo alemão decidiu ir tomar banho e como
estivera a tarde toda deitado de barriga para baixo a ler o seu livro e a fumar
cigarros, não suspeitava sequer o que o esperava debaixo das ondas. O amigo
alemão entrou lampeiro no mar e foi nadar precisamente para o sítio onde o
velho pescador tinha colocado a sua mina pesqueira. Saltou a tampa ao velho
pescador. Começou a gesticular e a berrar para o amigo alemão, que saísse dali
imediatamente. Não ocorreu ao velho pescador (nunca ocorre e nem poderia,
lembro que eles são os reis do areal e por isso não podem perder tempo com
essas mesquinhices) que a culpa não era do amigo alemão, mas sua. O velho
pescador parecia um nazi a enchotar judeus para dentro dum forno. O amigo
alemão lá percebeu finalmente, sobre o ruído das ondas, que aquela gritaria
toda era para ele e saiu do mar. O velho pescador estava ensandecido, mas a sua
ensandecice era lusa, o que significava que o amigo alemão não percebeu
patavina do que o outro lhe berrava. Não sei se até hoje o amigo alemão
percebeu realmente o que se passara. Deve ter chegado à Alemanha e contado o
episódio desta maneira – tenham cuidado em Portugal, às vezes há velhos doidos
que nos querem arrancar do mar por razão nenhuma. Ou talvez tenha pensado que o
velho pescador julgasse que ele não sabia nadar ou que corria perigo de vida.
Não sabemos, nunca saberemos.
A verdade é que pelos vistos este episódio não o demoveu de
regressar ao Paraíso. E cá está ele de novo, vestido com as cores da sua
bandeira. T-shirt preta, calções encarnados e toalha às riscas amarelas e
brancas.
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PARAÍSO
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Monte Gordo, Portugal
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
Paradise - Day 4
Enquanto uns permanecem de pedra e cal, outros há que
desaparecem surpreendemente deste mundo, até no Paraíso, que parece tudo
conservar eternamente. Em qualquer parte do mundo, até no Paraíso, há sempre um
bar irlandês. Isto diz muito, quer dos irlandeses, quer do resto do mundo. Que
os irlandeses gostam de toda a gente e toda a gente gosta de irlandeses. Existe
mesmo um ditado irlandês que reza assim: “Um estranho é só um amigo que ainda
não se conhece.”
O bar irlandês do Paraíso morreu. Fechou portas.
Desapareceu. Ou antes, ainda lá estão os cacos, os ossos, o esqueleto em
declínio composto pelas paredes encarcomidas, a tabuleta desengonçada e o néon
apagado e partido. Foi-se. Caput. Provavelmente engolido pela crise que,
curiosamente, viajou de lá para cá.
Tinha uma pedra cá fora, encostada ao muro da esplanada
denominada Weather Stone, que listava os vários tipos meteorológicos consoante
a sombra do sol ou outros elementos a atingiam. Sei que copiei essa lista para
algures há uns anos atrás, mas não faço ideia onde se esconda. De qualquer
forma, suponho que bastará googlear para aparecer qualquer coisa semelhante.
Recordo grandes noitadas de karaoke passadas no bar irlandês
em que eu, acompanhada do meu melhor amigo e três vodkas inteiras, era capaz de
cantar o What a Feeling da Irene Cara com tanta garra ou mais garra do que ela.
Bons tempos ...
E perguntei-me subitamente, ou antes, afirmei – se o Paraíso
um dia acabasse por qualquer desígnio perturbador da natureza (tsunamis,
terramotos, tudo é possível nos dias que correm) eu morreria certamente.
Inexoravelmente. Morreria.
Quem, pelo contrário e também inacreditavelmente, permanece de pedra e cal é o pederasta do Paraíso, que continua a vir passear os seus rafeiros na praia a meio da tarde. Como desculpa para vir espreitar corpos femininos alheios. Anda cada vez mais devagar e curvado e traz cada vez mais cães consigo. O ano passado eram dois, este ano já são três. Presume-se que a sua solidão seja proporcional ao séquito de cães que o acompanha.
Sim, morreria certamente. Mesmo com pederastas. Morreria.
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quarta-feira, 1 de outubro de 2014
Paradise - Day 3
O homem das bolas é novo, atraente, timido e fala pelo menos
três línguas. Ou melhor, sabe dizer “bolas” em três línguas, o que dá sempre
jeito, tenho a certeza, nestas e noutras situações ...
Sempre que passa lança-me um olhar subreptício e tão envergonhado que me derreto como o açúcar das suas bolas.
Mas tem rival. O mais velho e mais saído da casca, que professa a plenos pulmões: “Frescas e boas. Não engorda. Só alarga.” Sempre que ele diz isto, dá-me um ataque de riso e encolho-me toda para que não me veja.
Ainda não comprei nenhuma. Estou a decidir se prefiro as bolas tímidas ou as atrevidas.
Sempre que passa lança-me um olhar subreptício e tão envergonhado que me derreto como o açúcar das suas bolas.
Mas tem rival. O mais velho e mais saído da casca, que professa a plenos pulmões: “Frescas e boas. Não engorda. Só alarga.” Sempre que ele diz isto, dá-me um ataque de riso e encolho-me toda para que não me veja.
Ainda não comprei nenhuma. Estou a decidir se prefiro as bolas tímidas ou as atrevidas.
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terça-feira, 30 de setembro de 2014
Paradise - Day 2
Entre o Paraíso e a vila principal existe uma longa estrada
banhada pelo mar intercalada por 10 postos de repouso. Entre cada posto
posicionam-se diferentes espécies de povoados:
1 – Posto dos Chungas
2 – Posto dos Pescadores
3 – Posto dos Bimbos
4 – Posto dos Normais
5 – Posto dos Tios
6 – Posto dos Estrangeiros
7 – Posto dos Solitários
8 – Posto dos Naturistas
Finalmente, trasladámo-nos definitivamente para o Posto dos Chungas, onde a liberdade era maior e havia mais espaço, mas também mais perigos. Havia que encontrar um equilíbrio, tarefa que demorou algum tempo.
Actualmente saltito entre o Posto dos Chungas, o dos Normais e o dos Solitários, mas os Chungas puxam-me sempre com mais força. Aprendi a balançar as benesses com os perigos.
I’m a free spirit.
1 – Posto dos Chungas
2 – Posto dos Pescadores
3 – Posto dos Bimbos
4 – Posto dos Normais
5 – Posto dos Tios
6 – Posto dos Estrangeiros
7 – Posto dos Solitários
8 – Posto dos Naturistas
Quando era pequena, gravitava entre o Posto dos Tios e o
Posto dos Chungas, consoante minha mãe ou o meu pai me levavam à praia. Ela era
queque, ele refugiava-se entre os chungas, gente com quem se sentia mais à vontade
dadas as suas origens humildes.
Mais tarde, passei a gravitar entre o Posto dos Normais e o
dos Chungas, quando a minha mãe se fartou de se sentir confinada.Finalmente, trasladámo-nos definitivamente para o Posto dos Chungas, onde a liberdade era maior e havia mais espaço, mas também mais perigos. Havia que encontrar um equilíbrio, tarefa que demorou algum tempo.
Actualmente saltito entre o Posto dos Chungas, o dos Normais e o dos Solitários, mas os Chungas puxam-me sempre com mais força. Aprendi a balançar as benesses com os perigos.
I’m a free spirit.
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Monte Gordo, Portugal
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
Paradise - Day 1
O mar está cor-de rosa. Parece uma sopa mágica de deuses, destinada a inspirar-me na minha própria mágia.
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PARAÍSO
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Monte Gordo, Portugal
sábado, 20 de setembro de 2014
sexta-feira, 13 de junho de 2014
PALAVRAS EMPRESTADAS 93
"Para a sociedade educada é um tal tabu tirar uma vida!" - Will
"Sem a morte ficaríamos perdidos. É a perspectiva da morte que nos leva à excelência." - Hannibal
"Quase tudo o que fazemos, quase tudo em que acreditamos é motivado pela morte." - Hannibal
"Ele vai tentar matá-lo na cozinha porque lhe dá jeito. Será mais fácil preparar o bife tártaro." - Will
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PALAVRAS EMPRESTADAS
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segunda-feira, 31 de março de 2014
domingo, 9 de março de 2014
PALAVRAS EMPRESTADAS 91
"There are men who call themselves mages and warlocks," Maester Luwin said. "I had a friend of the Citadel who could pull a rose out of your ear, but he was no more magical than I was. Oh, to be sure, there is much we do not understand. The years pass in their hundreds and their thousands, and what does any man see of life but a few summers, a few winters? We look at mountains and call them eternal, and so they seem ... but in the course of time, mountains rise and fall, rivers change their courses, stars fall from the sky, and great cities sink beneath the sea. Even gods die, we think. Everything changes."
Game of Thrones - Book 2 - A Clash of Kings
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PALAVRAS EMPRESTADAS
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Lisboa, Portugal
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
domingo, 26 de janeiro de 2014
MURMÚRIOS DE LISBOA CXVIII
The Secret Name of God
We call it God. We should call it something else ...
I know ...
I feel it. I felt the change. Every change in my own body.
I used to fall in love every week! I used to desire every day! I used to have ups and downs every hour!
And then they messed with my body. They put chemicals in it. A lot! A load of potent, strong, lethal chemicals, designed to kill the most lethal of deseases. In the process they also killed my good cells, my quiet cells, my secret cells.
I became clean of the cancer. But also clean of "vision", clean of depression, clean of highs and lows.
Then they messed some more with my body. They took my ovaries. They forgot to warn me. I became again clean of danger. But also of desire. And of life.
Now I feel empty. Life is less. I thought it had to do with my mother's death. I came to realize it had nothing to do with that. It's the lack of the ability to produce life.
They call it menopause. When a woman looses the gift of life she also looses the gift of enjoying life. It all makes sense. Life is now telling her - you're useless, because you can't procriate, so you're useless to me now, so now you don't need to feel anymore.
Empty. Devoid. Of everything. Not just desire for flesh, but desire for all things. Yellow doesn't look like the same yellow anymore. "Every breath you take" doesn't sound like the real "Every breath you take" anymore. New York is not the same New York anymore. Orange doesn't taste like orange anymore. Everything is less. And less is no longer more.
I don't fall in love every week anymore. I don't need that anymore, my body tells my brain. I feel like a serial killer, who has to go to extremes to feel something, so he kills. I don't kill. I've been killed. But I continue, like a zombie. Rubbing myself against life in a worthless effort to feel something again.
They call it God. They should call it something else. I know.
They should call it PTE - Periodic Table of Elements. They are our Gods. Tiny, invisible, powerfull, hipnotic gods. They rule our lives in secret. The irony of it is that they do it in the open, in front of our eyes. They are everywhere, everywhere we look, all around us, inside and outside of us. And yet we don't see them. We don't aknowledge them. We pass them, blind, deaf, like moths attracted to the light of an inexistent, worthless God we think lives above us, somewhere up in the sky. It doesn't.
They're right here among us. They are so many. They are so resilient. They are so flexible. They are so versatile. They are capable of acting their powers all alone and they can combine between themselves to create powers even greater.
Their names? Oxygen, Nitrogen, Carbon, Magnesium, ...
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LISBOA
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sábado, 25 de janeiro de 2014
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
sábado, 18 de janeiro de 2014
MAÇÃS
Somos como maçãs. Exactamente como maçãs.
Nascemos em árvores que são as nossas mães, crescemos nos seus ventres de resina amniótica e caímos pelos troncos das suas pernas abertas para tombar nos chãos dos pomares das vidas que nos estão designadas.
Como maçãs, começamos por ser verdes e rijos, um pouco insípidos no início e inodoros, porque ainda não fomos regados pelas vicissitudes da vida que nos darão aromas e cores variadas.
Como maçãs, somos colhidos (às vezes como os touros) e vamos amadurecendo a diferentes ritmos consoante a nossa qualidade.
Como maçãs, há infinitos tipos de nós, com diferentes graus de amadurecimento e diferentes qualidades.
Uns de nós permanecem mais verdes durante mais tempo.
Outros há que apesar de parecerem verdes no exterior, enganam porque quando são descascados revelam maleitas várias.
Há os que amadurecem todos por igual, exterior e interior.
Há os que amadurecem serenamente, outros mais rapidamente.
Haverá também quem pareça durar para sempre, exalando um suave e doce aroma que teima em não se extinguir.
Como as maçãs, se nos quiserem, deverão comer-nos (literal e metaforicamente) a tempo, ou corremos o risco de ser abandonados, sem termos cumprido a nossa função na totalidade.
Como maçãs, podem trincar-nos sem nos descascar, comer-nos nus, assar-nos, misturar-nos em salada com outras frutas, fritar-nos para acompanhamento gourmet, usar-nos como sobremesa, entrada ou prato principal. Podemos ser "uma maria vai com todos" ou altamente selectivos. Talvez dependa isso em grande medida dos temperos que nos adicionem, leia-se, os carinhos ou insultos com que nos presenteiem.
Como as maçãs, todos acabamos por começar a apodrecer. É esse o fim inevitável de uma maçã, tenha ela a qualidade que tiver. Lentamente, inexoravelmente, com diferentes tempos, toda a maçã apodrece. Não é algo bonito de se ver (como se comprova pela fotografia que acompanha estas palavras), nem de se cheirar. Mas é algo inevitável. Apodrecer no verdadeiro sentido da palavra. A nossa pele, os nossos órgãos, as nossas funções, as nossas células começam a dar de si, a cansar-se, a desistir ou a ser acometidas de fungos, bactérias, vírus, cancros, e a "cheirar mal".
Isto estaria tudo muito bem, não fosse uma pequena diferença que nos distingue das maçãs. Uma diferença que faz toda a diferença.
Felizmente para as maçãs, elas não são providas de cérebro e, portanto, não podem assistir nem ao seu próprio apodrecimento nem ao das suas colegas maçãs com quem partilharam os pomares das suas vidas.
Nós podemos. E tentamos, com os nossos intrincados, complexíssimos, complicadíssimos cérebros rodear a questão. Inventamos filosofias e religiões que nos fazem acreditar que há vida depois da podridão, onde o verde persistirá eternamente, inventamos palavras e emoções como "amor", "felicidade", "espírito", "justiça". Somos capazes de ir à lua e voltar para enrolar os simples factos da vida para os quais a nossa inteligência não encontra justificação que nos satisfaça - tal e qual como as maçãs, nós apodrecemos. Ponto.
Não há outra maneira para dizer a coisa.
Lamento.
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domingo, 5 de janeiro de 2014
DOMINGO NEGRO
Só hoje, enquanto reflectia sobre a sua morte, é que me apercebi de um pequeno pormenor na única e preciosa história que tenho com o Pantera Negra. Quero partilhá-lo.
Trabalhei com Eusébio para um anúncio estúpido do Totogolo em que participei há mais de 15 anos como copywriter. Relatei já aqui os pormenores dessa saga, mas sempre me falhou um que, curiosamente, fez luz na minha cabeça hoje enquanto me recordava dele.
A certa altura Eusébio refugiou-se para tentar decorar as palavras estúpidas que eu tinha escrito para ele dizer e que lhe estavam a custar a pronunciar direitinhas e sem falhas. Refugiou-se lá em baixo, na base das escadas que dão acesso aos balneários. Fui encontra-lo sentado numa cadeira a tentar decorar as minhas palavras e a repetir para si mesmo "Eu consigo! Eu consigo!". Hoje percebi que sempre vira este episódio da forma errada, ao contrário. Ele não foi refugiar-se para a base das escadas que davam acesso aos balneários, ele foi refugiar-se na base das escadas que vinham do balneário para darem acesso ao relvado! Ou seja, Eusébio procurou o sítio que lhe era mais confortável, a que estava mais habituado e que fazia parte do seu percurso mais habitual. Para Eusébio tudo na vida é "entrar no relvado", como para um actor tudo na vida será "entrar no palco". O relvado era e sempre foi o palco de Eusébio.
Desse dia recordo a sua alegria quase infantil, aos 60 anos, quando tocava numa bola.
E recordo sobretudo a sua profunda, comovente, extraordinária humildade. É essa humildade que transforma os melhores em Gigantes. Eusébio era e será sempre um Gigante do mundo.
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PALAVRAS SENTIDAS
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