quinta-feira, 25 de outubro de 2007

EM MINHA CASA, NA PONTA DOS PÉS 1

Uma vez que até agora ninguém mo publicou, publico-o eu!
A partir de hoje e não sei durante quanto tempo, vai aparecer por aqui uma história para quem a quiser seguir. Com princípio, meio e fim :)
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Capítulo 1. AO ENTARDECER DE UM DIA
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"(Quando mais tarde pensou nisso, ocorreu-lhe que devia ter ficado espantada, mas naquela altura pareceu-lhe tudo bastante natural.)" (1)
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Subiu as escadas de pedra da Casa Branca da Rua E. A Rua E. era uma rua calma, refugiada do bulício do resto da cidade porque estava escondida no meio de duas avenidas principais e não tinha saída. Portanto, o único trânsito que a percorria era o dos moradores das residências, quase todas de tijolos encarnados. A Casa Branca destacava-se porque, aparentemente, e até onde a sua vista podia alcançar, era a única que não fora construída em tijoleira encarnada.
Sobre o arco superior da imponente porta de mogno negra, dois números solidamente fixados em bronze na parede anunciavam que ali era o 25 da Rua E.
Suspirou fundo e, segurando o batente do mesmo metal com a forma duma pata de leão, bateu com ele três vezes compassadamente na sólida madeira e esperou.
A porta abriu-se repentina mas suavemente. Do outro lado, uma mulher loira de meia idade e cabelo apanhado atrás da nuca, alta e elegante, impecavelmente moldada dentro dum tailleur rosa, olhou-a de alto a baixo e inquiriu:
"Sim?", a sua voz era seca e atonada, como se lá dentro do tailleur não houvesse alma.
A sua própria voz soltou-se como sempre acontecia quando estava nervosa, e apesar dos juramentos que fazia sempre a si própria de que da próxima vez iria conseguir controlar as cordas vocais e afiná-las para um tom mais grave.
"Boa tarde. Venho por causa do anúncio."
Voz de menina submissa, de miúda frágil e quase a pedir desculpa por ter nascido. Caramba ….
E fez menção de procurar na mala a prova da sua aparente ousadia - o recorte do jornal, esquecendo-se de toda a compostura e auto-controlo ensaiados vezes sem conta diante do espelho.
"Não é necessário.", a Nº 5 continuava a fixá-la com altivez e desconfiança e talvez até … pena.
Leu-lhe os olhos desmaiados, azuis e frios, mas mais ainda a voz, que continuava seca e agora temperada por um leve toque de desprezo.
"Entre!", e afastou-se displicentemente numa perfeita manobra de marcha-atrás em linha recta.
Recolocou a alsa da mala no ombro e entrou de cabeça baixa, sem reparar que não era a única a entrar.
Atrás de si, disparada por um canhão de energia, uma bala de pêlo voou pela casa dentro e desapareceu pela larga escadaria acima, sem que ela tivesse tempo para reparar em algo mais do que numa forma castanha, que se confundia com as sombras reflectidas pela tépida luz do final da tarde.
"Wolf!", a Nº 5 berrou, assustando-a e trazendo-a de volta à realidade da casa. Reparou nas inúmeras janelas que inundavam de luz aquela divisão e no branco que predominava em todos os elementos que compunham o seu interior, desde as paredes, até à mobília e à própria alcatifa que cobria o chão de mármore. Os móveis tinham um aspecto antigo mas conservado e delicado, como se tivessem sido ali colocados no dia anterior e ainda não tivessem sido sequer estreados. Lembrou-se daquelas casas que apareciam nas revistas de decoração, habitadas por gente famosa que provavelmente nunca lá punha os pés.
"Raio do bicho!", proferiu a mulher entredentes, enquanto fechava a porta.
Encaminhou-se para o lado esquerdo do hall de entrada.
"Por aqui, por favor."
Vá lá, um "por favor", ao menos e apesar da acidez do tom. Nem tudo estava perdido. Mas teria que controlar a voz ou então tudo estaria mesmo perdido. Recordou o anúncio, enquanto seguia o passo firme e seco da Nº 5, silenciado pela altura da carpete:
"Paraplégico e invisual requisita voz jovem feminina para leitura em voz alta das suas obras preferidas. 1/2 horas por dia. Remuneração adequada. Casa própria. Zona central."
Voz jovem feminina.
Era mulher e tinha 27 anos. Portanto, os dois únicos requisitos estavam preenchidos. O anúncio não pedia treino em colocação de voz, experiência anterior em funções semelhantes, formação em rádio ou teatro, ou outras condições que lhe teriam aniquilado imediatamente qualquer hipótese de êxito.
Mas ela tinha consciência que aquilo era provavelmente um truque para disfarçar a única condição que iria pesar sobre todas as outras - a sua voz tinha de agradar ao homem e ponto final. Podia ser a Maria Callas ou a Stevie Nicks. Não importava. Se ele não gostasse da sua voz, não havia nada a fazer. E isso era completamente subjectivo.
O tipo era provavelmente um velho frustrado, que gostava delas em versão coelhinha Playboy - voz sensual e rouca ou inocente e fatal. Ou então era um velho aristocrata que preferia uma voz intelectual, fria e ambígua, mas forte e sonora. Na volta, era um pouco surdo também e ela teria de berrar a plenos pulmões.
A Nº 5 abriu outra porta, desta vez branca com batentes dourados, enquanto ela tentava afastar estes pensamentos com a visão do homem em ceroulas encarnadas e gorro a condizer.
"Entre.", fechou a porta atrás de si (outro "por favor" era pedir muito…) e anunciou:
"Mais uma candidata ao lugar, John. Sra …", esta frase foi proferida num tom de quem já tinha repetido aquilo dezenas de vezes, apenas para agradar um qualquer capricho passageiro.
Ao contrário do resto da casa, aquela divisão encontrava-se mergulhada na penumbra da luz difusa das seis da tarde, que entrava a custo por entre os cortinados brancos de uma única janela. Não havia qualquer outra fonte de luz artificial. Tratava-se, aparentemente, da biblioteca, uma vez que todas as paredes se encontravam completamente escondidas por estantes repletas de livros até ao tecto.
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(1) As Aventuras de Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll

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