Capítulo 5. CORRESTE POR MINHA CASA DE MADEIRA
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"Emily … Faça-me um favor. Esqueça-se que eu estou aqui. Não é muito difícil. Eu sei que você lê melhor do que isso, quando lê para si."
Emily ficou a olhar para ele durante uns momentos. Depois uma dúvida absurda assaltou-lhe o espírito. Baixou os olhos. Por brevíssimos segundos teve a certeza que a sua dúvida não era um absurdo, mas uma realidade. Ele conseguia vê-la. A bola de pêlo lambeu-lhe a mão. Ele conseguia vê-la por trás dos óculos escuros e aquela história da cegueira não passava de um estratagema qualquer. Provavelmente também se podia mexer …
"Emily … Eu sou mesmo cego, não se preocupe. Escusado será dizer que também sou paralítico, caso esteja a duvidar disso também. Se quiser peça à Clara para lhe mostrar a minha ficha médica."
Os olhos de Emily começaram a abrir-se muito.
"Mas como …", assim que proferiu estas palavras arrependeu-se imediatamente. Estúpida! Estúpida! Assim ele vai perceber que acertou em cheio.
"É simples. Experimente fechar os olhos durante um dia inteiro e fazer a sua vida normal. Vai perceber muita coisa que esses lindos olhinhos (não duvido que sejam lindos) não conseguem.", apesar do discurso que acabara de ser proferido ser perfeitamente lógico e coerente, perpassava pelas suas palavras um subtil tom irónico que a deixava desconfortável e desconfiada.
Abriu a boca, não sabia se para dizer alguma coisa, se para respirar, porque de súbito apercebeu-se que se esquecera de respirar desde o instante em que ele começara a falar.
"Por exemplo", continuou ele, "mais um pouco e você ficava sem fôlego agora mesmo. Percebe? Eu ouço-a. Eu ouço-a muito bem. Se eu lhe dissesse o que é que já consegui ouvir-lhe, você provavelmente assustava-se. Ou pensa que só porque não vejo não a consigo 'ver'?"
Emily continuou calada. A respiração suspensa, sem saber o que pensar ou sentir. Pensou se não estaria a enlouquecer e sentiu um alívio tremendo ao mesmo tempo. Ironicamente, ficou aliviada com o facto de ter a sensação estranha que não precisava de lhe explicar nada porque ele percebia tudo, mesmo aquilo que ela não conseguia, não queria ou não sabia dizer. Como por que motivo esse preciso pensamento lhe parecia tão lógico, apesar de o conhecer há apenas dois dias e de não fazer a mínima ideia com que espécie de pessoa estava a lidar.
"Continue. E lembre-se - eu não estou cá. Saí. Fui dar uma volta no meu carro.", foi a resposta.
A bola de pêlo lambeu-a novamente. E interpretando isso como um incentivo, retomou a leitura, desta vez um pouco mais segura.
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"uns modos mais atractivos e agradáveis - algo mais leve, mais franco, mais natural - até lá teria realmente de me excluir dos privilégios destinados a crianças felizes e satisfeitas.'
Emily ficou a olhar para ele durante uns momentos. Depois uma dúvida absurda assaltou-lhe o espírito. Baixou os olhos. Por brevíssimos segundos teve a certeza que a sua dúvida não era um absurdo, mas uma realidade. Ele conseguia vê-la. A bola de pêlo lambeu-lhe a mão. Ele conseguia vê-la por trás dos óculos escuros e aquela história da cegueira não passava de um estratagema qualquer. Provavelmente também se podia mexer …
"Emily … Eu sou mesmo cego, não se preocupe. Escusado será dizer que também sou paralítico, caso esteja a duvidar disso também. Se quiser peça à Clara para lhe mostrar a minha ficha médica."
Os olhos de Emily começaram a abrir-se muito.
"Mas como …", assim que proferiu estas palavras arrependeu-se imediatamente. Estúpida! Estúpida! Assim ele vai perceber que acertou em cheio.
"É simples. Experimente fechar os olhos durante um dia inteiro e fazer a sua vida normal. Vai perceber muita coisa que esses lindos olhinhos (não duvido que sejam lindos) não conseguem.", apesar do discurso que acabara de ser proferido ser perfeitamente lógico e coerente, perpassava pelas suas palavras um subtil tom irónico que a deixava desconfortável e desconfiada.
Abriu a boca, não sabia se para dizer alguma coisa, se para respirar, porque de súbito apercebeu-se que se esquecera de respirar desde o instante em que ele começara a falar.
"Por exemplo", continuou ele, "mais um pouco e você ficava sem fôlego agora mesmo. Percebe? Eu ouço-a. Eu ouço-a muito bem. Se eu lhe dissesse o que é que já consegui ouvir-lhe, você provavelmente assustava-se. Ou pensa que só porque não vejo não a consigo 'ver'?"
Emily continuou calada. A respiração suspensa, sem saber o que pensar ou sentir. Pensou se não estaria a enlouquecer e sentiu um alívio tremendo ao mesmo tempo. Ironicamente, ficou aliviada com o facto de ter a sensação estranha que não precisava de lhe explicar nada porque ele percebia tudo, mesmo aquilo que ela não conseguia, não queria ou não sabia dizer. Como por que motivo esse preciso pensamento lhe parecia tão lógico, apesar de o conhecer há apenas dois dias e de não fazer a mínima ideia com que espécie de pessoa estava a lidar.
"Continue. E lembre-se - eu não estou cá. Saí. Fui dar uma volta no meu carro.", foi a resposta.
A bola de pêlo lambeu-a novamente. E interpretando isso como um incentivo, retomou a leitura, desta vez um pouco mais segura.
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"uns modos mais atractivos e agradáveis - algo mais leve, mais franco, mais natural - até lá teria realmente de me excluir dos privilégios destinados a crianças felizes e satisfeitas.'
'O que é que a Bessie diz que eu fiz?' perguntei.
'Jane, não gosto de questionadores; além disso, há algo de verdadeiramente proibitivo numa criança que questiona os adultos dessa forma. Vá sentar-se algures; e até conseguir falar de forma agradável, permaneça em silêncio.' "(24)
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Ao princípio foi difícil. Mas bastava ele pronunciar o seu nome para ela perceber a chamada de atenção. Lentamente foi-se soltando. No final da semana já conseguia ler uma página inteira sem se lembrar constantemente de que ele estava lá. John contribuía para isso permanencendo absolutamente silencioso no seu canto escuro. E as lambidelas de Wolf encorajavam-na. Parecia-lhe que o cão lhe dizia "Continua, Emily. Estamos a gostar."
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“Um novo capítulo num romance assemelha-se a uma nova cena numa peça; e quando, leitor, eu levantar a cortina desta vez - deve imaginar que observa uma sala na Estalagem George em Millcote, com o mesmo papel de parede decorado com figuras grandes, que as estalagens costumam ter; com uma carpete semelhante, mobília semelhante, bibelots e quadros semelhantes - incluindo um retrato de Jorge III e um outro do Príncipe de Gales, e uma representação da morte, de Wolfe. Tudo isto é-lhe visível através da luz de uma lamparina de óleo pendurada do tecto e de um excelente lume, perto de cuja lareira eu estou sentada, embrulhada na minha capa e no meu gorro; o meu regalo e guarda-chuva repousam sobre a mesa e estou a aquecer o frio e a dormência contraídos durante dezasseis horas de exposição às intempéries de um dia de Outubro: abandonei Lowton às quatro da madrugada e o relógio da vila de Millcote está neste momento a bater as oito da noite.
Ao princípio foi difícil. Mas bastava ele pronunciar o seu nome para ela perceber a chamada de atenção. Lentamente foi-se soltando. No final da semana já conseguia ler uma página inteira sem se lembrar constantemente de que ele estava lá. John contribuía para isso permanencendo absolutamente silencioso no seu canto escuro. E as lambidelas de Wolf encorajavam-na. Parecia-lhe que o cão lhe dizia "Continua, Emily. Estamos a gostar."
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“Um novo capítulo num romance assemelha-se a uma nova cena numa peça; e quando, leitor, eu levantar a cortina desta vez - deve imaginar que observa uma sala na Estalagem George em Millcote, com o mesmo papel de parede decorado com figuras grandes, que as estalagens costumam ter; com uma carpete semelhante, mobília semelhante, bibelots e quadros semelhantes - incluindo um retrato de Jorge III e um outro do Príncipe de Gales, e uma representação da morte, de Wolfe. Tudo isto é-lhe visível através da luz de uma lamparina de óleo pendurada do tecto e de um excelente lume, perto de cuja lareira eu estou sentada, embrulhada na minha capa e no meu gorro; o meu regalo e guarda-chuva repousam sobre a mesa e estou a aquecer o frio e a dormência contraídos durante dezasseis horas de exposição às intempéries de um dia de Outubro: abandonei Lowton às quatro da madrugada e o relógio da vila de Millcote está neste momento a bater as oito da noite.
Leitor, embora pareça estar confortavelmente acomodada, o meu espírito não se encontra muito tranquilo ..." (25)
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(24) e (25) Jane Eyre – Charlotte Brontë
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