sábado, 3 de novembro de 2012

MURMÚRIOS DO PARAÍSO XXIV

Só Alguns

Só alguns sortudos sabem onde está o Paraíso. Minto, alguns iluminados. A sorte não é para aqui chamada. Mais: mesmo daqueles que lá vão parar, apenas alguns são suficientemente inteligentes, argutos e perspicazes para conseguirem perceber onde realmente estão. Quando me refiro a inteligência, não estou a falar de cérebro, mas sim de emoções. É preciso ter o coração aberto para conseguir reconhecer o Paraíso.
Por outro lado, mesmo os próprios nativos do Paraíso por vezes não o reconhecem como tal, apesar de terem a plena noção de que provavelmente estão num sítio que é, no mínimo, especial.
É difícil descobrir o Paraíso, mesmo quando ele está diante dos nossos olhos ou quando nós próprios estamos mergulhados nele.
Porquê?
Porque o Paraíso não é para todos. Porque nem todos acreditam no Paraíso. Porque nem todos merecem ver o Paraíso. Só os mais atentos. Só os que a vida conduziu até um sítio especial nos seus próprios corações, que lhes permite ver mais além das aparências e perceber que a beleza está onde a queremos ver, não onde por vezes julgamos.

E assim, é possível a uns poucos privilegiados, aperceberecem-se de que:
As estrelas caem todos os dias no mar e lá ficam a flutuar e a brilhar cintilantemente, especialmente na altura do sol das 4 da tarde.
Podemos calcorrear quilómetros sobre a moleza doce da areia dourada sem nos cansarmos tanto como noutras paragens.
As pestanas desenham arco-íris interiores, especialmente se semicerrarmos os olhos ao entardecer, mesmo antes de o sol iniciar o seu mergulho por trás da distante colina azulada.
As gaivotas têm todas nomes e personalidades bem distintas e seremos capazes de as reconhecer não importa quanto tempo passe desde a última vez que as vimos.
O sol é pintor renascentista genial e todos os dias cria uma obra-prima no céu do crepúsculo.
O mar é um ser imenso, dotado de vida, que respira compassadamente e que nos vem lamber os pés se nos aproximarmos devagarinho.
Os homens e as mulheres são homens e mulheres de verdade, com coração e pele e carne e sexo, e não farrapos desconjuntados e perdidos por entre o cimento e o alcatrão.

O Paraíso existe. Não num qualquer além sonhado ou imaginado, longínquo, acéptico, inodoro, incolor e insípido. O Paraíso existe aqui na Terra. E é bom que o aproveitemos enquanto cá estamos. Porque depois será o nada eterno. Tenho sorte. O meu Paraíso é no meu país, fica apenas a cerca de 300 quilómetros de distância de onde habitualmente vivo. Quando não tiver mais nenhum lugar para ir, mais ninguém para visitar, quando não tiver ninguém que me queira, ou ninguém que eu queira. Quando o mundo se esquecer de mim e eu estiver cansada do mundo, o Paraíso estará sempre ali, sempre igual, sempre à minha espera. E continuará quando eu já não existir. Passem 20 ou 1000 anos.
E guardar-me-á no seu coração para a eternidade.

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