quinta-feira, 26 de abril de 2007

MURMÚRIOS DE LISBOA XXIV

Estepes Nos Teus Olhos – Parte II
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Árvores despidas no jardim Calouste Gulbenkian
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Algumas semanas mais tarde, cruzei-me com Vladimir de novo. Quase nem reparava nele, não fosse nessa manhã, e apesar do sono imenso, ter feito de novo a pergunta que há alguns dias me desertara.
Are there any angels for me today?
Porque eu estava triste. E precisava de um anjo que me distraísse da minha dor.
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Ia meio absorvida na observação de um rapaz que dormia lá atrás, tentando decidir se ele tinha ou não material de anjo, quando reparei que Vladimir estava de pé junto à porta.
O meu coração saltou e não exagero quando digo que me vieram as lágrimas aos olhos, subitamente. É que o reencontro com um personagem é algo que pode abalar seriamente o seu autor. Sobretudo quando esse personagem tem estepes magníficas nos olhos.
Desta vez estava ainda mais parecido com Harvey Keitel, porque trazia um fato completo cinzento e uma camisa branca às riscas cinzentas, a condizer com o fato. Os sapatos continuavam impecáveis e brilhantes e trazia a mesma pasta de nylon e um jornal na mão esquerda. Parecia mesmo o Harvey, quando anda a distribuir partes de corpos desmembrados num qualquer assassínio cometido num filme do Tarantino.
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Mas Vladimir salvou-me, nessa manhã. Salvou-me da minha tristeza. Procurei os seus olhos semicerrados e mergulhei neles as vezes que a decência e a discrição me permitiram. Mergulhei nas suas deslumbrantes estepes geladas e enchi a alma delas, para me esquecer da minha tristeza por uns momentos e, talvez até, procurar a resposta à pergunta que era responsável por essa tristeza.
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O que diria Vladimir se soubesse disto tudo? Tenho a certeza que não me chamaria louca. Em vez disso, pousaria as suas magníficas estepes em mim, puxaria um lenço de seda do bolso interior do casaco e oferecer-me-ia o consolo dos que já sofreram muito. Um consolo que não precisa de palavras. Um consolo que pode nascer apenas do encontro entre estepes silenciosas e olhos perdidos nesta cidade, à procura de respostas impossíveis.

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