quarta-feira, 4 de abril de 2007

PSICANÁLISE XV

Keep it Together!


Sempre que me vejo prestes a perder mais alguns parafusos, Charlie, desde há uns tempos que tenho vindo a utilizar um auxiliar que parece estar a resultar relativamente bem.
Dou por mim a repetir calma e ponderadamente, quase como se me estivesse a afagar a própria alma, a expressão "I'm fine", até conseguir restabelecer o equilíbrio e regressar a um estado considerado normal, ou próximo disso.
Este pequeno e aparentemente insignificante auxiliar tornou-se uma espécie de mantra, que é repetida incansavelmente em toda e qualquer ocasião em que me sinto a começar a resvalar pelo túnel abaixo, não exactamente como Alice em direcção ao seu País das Maravilhas, mas quase (até porque em matéria de surrealismo tenho andado a bater a Alice aos pontos).
ÇDFKÇDK
E foi então que no outro dia, enquanto repetia para mim mesma pela vigésima vez "I'm fine ... I'm fine ...", para prevenir novo resvalanço até uma zona de loucura auto-complacente e inquietante, dei por mim a pensar no Eddie Murphy (esse cómico extraordinário) e no Steve Martin (não menos extraordinário cómico) e no filme realizado pelo segundo, que ambos protagonizam, intitulado Bowfinger (O Sem-Vergonha).
ÇDFKÇDK
Nesse filme, Eddie Murphy passa a vida a repetir obsessivamente a frase "Keep it together!" perante as mais rocambolescas situações com que se vai deparando e que lhe vão abalando lentamente e com requintes de sadismo a sua frágil estrutura emocional.
E não é para menos. O enredo tem por base a seguinte premissa tresloucada (que só uma cabeça como a de Steve Martin poderia congeminar): com falta de fundos para contratar a estrela de cinema que pretendia para o seu filme, um realizador medíocre decide usá-lo na mesma, com ou sem o seu consentimento.
Ou seja, se Maomé não vem até à montanha, a montanha irá até Maomé. Neste caso, a montanha é toda a parafrenália de equipamento e equipa técnica e actores que correm constantemente atrás da estrela de cinema, improvisando cenas com diálogos rocambolescos, enquanto filmam às escondidas as suas reacções.
O que o personagem de Steve Martin (o realizador lunático) não sabe é que o personagem de Eddie Murphy está à beira de um breakdown total e decidiu procurar auxílio numa seita religiosa (paródia mais que óbvia à cientologia, que tantas estrelas de cinema tem arrebanhado) para conseguir continuar a funcionar. E uma das estratégias de afirmação positiva com que lhe lavam o cérebro é precisamente o tal "Keep it together!”
Como é óbvio, à medida que se vai cruzando com desconhecidos (os actores do filme) que o abordam de surpresa em todo o lado para lhe falar de raptos alienígenas e encenar assassínios com ketchup (o argumento do filme) diante dos seus olhos abismados, vai sendo cada vez mais difícil a Eddie Murphy manter seja o que for "together".
Claro que para gáudio dos seus fãs (eu sou uma delas), porque as variadíssimas expressões que o seu rosto versátil consegue mostrar enquanto repete "Keep it together!" obsessivamente, são uma delícia.
ÇDFKÇDK
Bom ... e eu onde entro nesta história que já vai longa?
É que olhei de repente de fora para mim mesma e pensei, a meio dum "I'm fine ...", mas a quem é que eu estou a tentar enganar? E deu-me um ataque de riso histérico porque percebi que há alturas em que espero literalmente ver aparecer na curva duma esquina da minha vida uma equipa de filmagens e respectivo realizador a gritar "Corta! Perfeito! Não leves a mal. Era tudo a brincar. A sério ...”
ÇDFKÇDK
A única diferença entre mim e o Eddie Murphy é que, em vez de ter um total breakdown, eu vou é mas é breakar as queixolas ao idiota que tem andado a gozar com a minha cara, que é na realidade o cientista louco que me usa como cobaia.
À parte isto, está tudo bem ... I'm fine ... I'm fine ... Really ... I'm perfectly fine ... I'm fine ... I'm fine ...



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