quarta-feira, 18 de março de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON VII

O Feto Casmurro - Primeira Parte
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Resolveu começar pelo início. É um bom sítio para começar.
O Escritor pegou no frasco da sua infância, desapertou-o, puxou a tampa para fora e soprou suavemente na direcção do pequeno arco embebido em sabão. Uma pequena e frágil bolha tremeluzente começou a crescer ao compasso do seu coração, até se desprender e flutuar no meio da sala.
O feto estava a dormir, no interior de uma placenta transparente gigantesca, composta por nutritivos sumos vitais. A primeira pergunta que se colocou, quando se sentou junto dele, foi se seria possível encetar algum diálogo, mesmo que por sinais ou ondas sonoras, com alguém que ainda não é propriamente ... alguém. Mas lembrou-se imediatamente que aqui as regras eram suas e que portanto a regra era não haver regras. De qualquer das formas, o Escritor sabia que a comunicação seria difícil, sobretudo porque estava a falar consigo próprio, logo com um casmurro típico.
Inclinou a cabeça para um dos lados e observou a maravilha da concepção. Um arco-íris de cores brilhava à sua frente, reflectidas pela luz que atravessava a enorme bolha placentária. Perdeu-se na contemplação aparvalhada de si próprio e quando o feto falou dentro da sua cabeça, quase teve uma paragem cardíaca.
"És o meu gémeo?"
"Não! Quer dizer ..."
"Tenho frio ... e sono ... quero fazer xixi ..."
"Compreendo ..."
"Se não és o meu gémeo, quem és?"
"Sou tu daqui a uns anos."
"Tão feio???!!!!"
"Bem ... lamento desapontar-te, mas foi isto em que te tornaste. Escusado será dizer que a culpa foi toda tua."
"Minha??? Mas ainda nem sequer nasci!"
"Pois ... mas hás-de nascer, daqui a uns meses ... tens quantos?"
"Seis ... está quase ..."
"Sim, faltam três."
"Não quero."
"Não queres?"
"Não quero nascer. Não vou nascer."
"Meu pequenito, isso é impossível. Eu estou aqui, portanto tu tiveste que nascer. Voilá."
"Não me fales em estrangeiro. Ainda só sei poucas palavras."
"Voilá quer dizer algo como 'nada a fazer, é assim, conclusão óbvia'."
"Estou-me a cagar para as tuas conclusões óbvias. Não vou sair. Está decidido."
"Mas porquê? Nem sequer sabes como é o mundo."
"Oh acredita que a minha querida mãezinha já me fez o favor de me dar umas luzes."
"E então? A experiência foi assim tão má?"
"É triste. Ela fala comigo como se eu fosse a solução para todos os seus problemas. Tenho a certeza que deposita demasiadas esperanças em mim. Estou a acumular uma tensão enorme à minha volta e ainda nem sequer saí lá para fora. Se calhar por isso é que fiquei tão feio ..."

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