segunda-feira, 12 de novembro de 2007

EM MINHA CASA, NA PONTA DOS PÉS 6 (cont.)

Capítulo 2. E A TUA VOZ TAL RIQUEZA
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Na realidade foram os passos, em primeiro lugar, que lhe puseram o coração aos saltos. Johann não era boa pessoa, nem ansiara nunca sê-lo, mas reconhecia uma quando a via ou, neste caso, a ouvia. Emily era boa pessoa e a sua voz viera confirmá-lo. Johann também não sentia nenhuma atracção especial por boas pessoas, mas a experiência, sobretudo com mulheres e dos seis meses que passara num escritório de advogados até se cansar de trabalhar, haviam-lhe ensinado que era bem menos complicado conviver com elas. Depois, as boas pessoas eram mais facilmente convencidas a praticar actos solidários em prol dos fisicamente diminuídos. Para além do mais, e mesmo que não o tivesse querido admitir a si próprio, precisava de companhia, diferente da seca e rígida Clara e dos ocasionais "amigos" que o vinham visitar de três em três meses.
Se houvera algo que o chocara alguma vez na vida, fora o súbito desaparecimento desses supostos amigos, especialmente porque a maioria possuía fortunas ainda maiores que a dele. As mulheres, essas, compreendia-as. Afinal, estavam apenas a zelar pelo seu bem-estar vaginal, como qualquer mulher que se preze, e esse departamento encerrara subitamente por falta de fundos. Mas os homens … parecera-lhe que um pequeno pormenor como eram duas pernas inúteis e um par de olhos apagados não conseguiriam ser mais fortes que a camaradagem masculina. Enganara-se …
Clara abriu a porta. Havia alguém específico para esse serviço, mas ela fazia questão de examinar as candidatas desde que entravam até que saíam, apesar de ter plena consciência que não tinha qualquer voto na matéria, e mesmo que tivesse, faria questão em não o dar a conhecer.
"Venho por causa do anúncio."
Era inacreditável como quando um sonho se cumpre a sensação seja de déja vú absoluto. Ele não fora um homem com muitos sonhos, pura e simplesmente porque não houvera nenhum sonho que não tivesse podido concretizar, até à data. Tivera o privilégio de se encontrar no topo da escala das necessidades da humanidade e, para além disso, de ser dotado de inteligência e de um desejo de adquirir conhecimento, apesar de ser um filho da mãe. Nem sequer sonhara com o regresso dos pais, desde o momento que percebera que esperar por eles não era uma alternativa mas uma condição da sua vida. E agora não sonhava sequer com qualquer recuperação, porque o seu sentido prático o impedia de perder tempo com esperanças inúteis. Portanto, fora com uma certa surpresa que acolhera aquela nova e inusitada sensação.
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"Ninguém respondeu. A campainha para o almoço tocou, mas continuaram todos calados. Frodo lançou um olhar a todos os rostos, mas não estavam voltados para ele. Todos os membros do Conselho se encontravam de olhos baixos, como se meditassem profundamente. Apoderou-se de Frodo um grande medo, como se aguardasse o pronunciamento de uma sentença que previra há muito tempo, mas que, apesar disso, esperava em vão não fosse pronunciada. Encheu-lhe o coração um desejo avassalador de descansar e ficar em paz ao lado de Bilbo, em Rivendell. Por fim falou, com dificuldade, e admirou-se de ouvir as suas palavras, como se outra vontade se estivesse a servir da sua fraca voz:
- Eu levarei o anel - disse -, embora não saiba o caminho." (10)

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Esperara tanto por aquela voz que nem sequer lhe encontrou defeitos dignos de nota. Era a voz com que sonhara, desde que a ideia se começara a formar no fundo do seu subconsciente. Mas era mais do que isso. Era um brinquedo novo. Moldá-la-ia como barro. Refiná-la-ia. Retocá-la-ia. Até atingir a perfeição.
A porta fechou-se e os passos foram apagados pela alcatifa fofa do hall de entrada. Ouviu Wolf disparar pelas escadas acima, as unhas arranhando o chão num frémito nervoso e excitado.
Suspirou fundo. E pediu, para sua própria surpresa, que o perfume dela não fosse um atentado às narinas.
A porta abriu-se e Clara anunciou a nova candidata, a última.
Não se voltou logo, claro. Fê-la esperar. Porque gostava sempre de fazer saber quem mandava ali, porque gostava do mistério que a sua condição, ironicamente, lhe proporcionava, porque desejava que o choque fosse suficientemente grande para lhe dar oportunidade a ela de desistir e porque, depois de tanta expectativa, se sentia ansioso.
Franziu o sobrolho. Ansiedade era uma palavra talvez demasiado forte para descrever o seu estado de espírito. Apreensivo. Era compreensível.
Ela tossiu. Um estratagema barato para fazê-lo falar. Mas estava desculpada. Deixou-a esperar mais uns instantes, enquanto finalizava os retoques na imagem mental que dela compusera.
Baixa, morena, magra, talvez tivesse cabelos pelos ombros e olhos castanhos ou azuis. Inspirou o perfume. Suave, nada agressivo. Frutado e fresco. Mais um pouco e talvez conseguisse ouvir o coração a bater desenfreadamente no seu peito. Como seria o peito?
"Emily …"
Quis e não quis que o nome se lhe soltasse dos lábios. Foi quase involuntário, mas nem por isso. Gostava do nome. Quase todas as Emilys que conhecera costumavam ser bem fornecidas na zona toráxica. Talvez se devesse às curvas do nome.
"Sutherland. Emily Sutherland."
Ela supôs que ele quisesse saber o seu apelido. Decidiu acabar com o sofrimento da criatura. Estava a tornar-se patético. Girou a cadeira na sua direcção. A última frase permitira-lhe posicioná-la exactamente no local certo da sala. Travou a cadeira e fixou-a o melhor que pôde. Era raro falhar. E soube que não tinha falhado, quando nem sequer lhe sentiu a respiração.
A porta abriu-se e Clara anunciou o médico. Respondeu-lhe levemente irritado, porque a interrupção fizera-o perder uma sensação qualquer que não sabia precisar. Nem um ruído, mas nem um ruído era mais estranho do que qualquer ruído.
Foi então que ela soltou um soluço e ele percebeu que talvez houvesse algo que lhe tivesse escapado.
"Quer um copo de água?"
Apanhou-a de surpresa e percebeu que o que tinha à sua frente era alguém com vontade de fugir dali para fora o mais depressa possível. Provavelmente era melhor não ser capaz de lhe ver a expressão do rosto. Não a censurava. Ele próprio já o teria feito há mais tempo, se a situação se invertesse. Mas Emily precisava do dinheiro, ou não estaria sequer ali …
"Surpreendida?" E fez-lhe o discurso da praxe. Achava que já a tinha feito sofrer o suficiente. De resto, não queria ouvir mais a sua voz daquela maneira, manchada pela incompreensão e pela surpresa.
Ela protestou. Apeteceu-lhe abaná-la para a silenciar e devolver-lhe a compostura. Cala-te, por favor! Nunca mais haverá terror na tua voz, se isso depender de mim.
Acreditava em Deus, mas Deus por vezes desiludia-o. Como quando colocava a perfeição na mais impura das imperfeições.
Saiu. Não te atrevas a fugir, ou terei de te ir buscar ao fim do mundo.
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(10) O Senhor dos Anéis - JRR Tolkien

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