terça-feira, 21 de abril de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON XI

O Monge Agnóstico - Parte I
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Havia uma mesa de madeira com uma refeição completa preparada e dois lugares postos. A comida fumegava do interior de recipientes de barro e exalava um odor que lhe despertou de imediato as papilas gustativas. Saboreou a sua própria saliva, inundando-lhe subitamente a língua.
Sentado à mesa encontrava-se um monge de túnica castanha e cabeça rapada, à maneira dos franciscanos, a ler um livro. Levantou-se e espreitou-o por cima dos óculos encavalitados no nariz. Fechou o livro, marcando-o cuidadosamente com uma folha verde escura comprida e estaladiça e sorriu:
"Estava à sua espera."
"À mnha espera?"
"Efectivamente. Eu espero sempre a vinda de alguém. E quem apareceu foi você. Portanto, pode-se dizer que estava à sua espera."
"Procuro uma palavra que me escapou. Por acaso não a viu?", sentiu que com o monge não precisava de rodear a questão e podia ir directo ao assunto, sem demoras.
"Não, não vi nenhuma palavra. Mas sente-se. O almoço está a arrefecer."
O monge não esperou que o seu conviva se instalasse e regressou à mesa.
Decidiu sentar-se, para não parecer mal educado.
"Como vê", disse o monge, "eu não pratico o que prego.", agarrou numa enorme fatia de pão de centeio e barrou-o com um queijo cremoso amarelo, que pareceu ao Escritor extremamente apetitoso. O seu estômago começou a rugir indecorosamente.
"Coma, coma.", e o monge estendeu-lhe um prato fundo e despejou uma concha gigante de sopa encarnada lá para dentro.
"E agora conte-me. Que palavra procura e porquê?"
"Bem ... é complicado. Eu perdi-a, compreende? Foi-se. Varreu-se-me completamente. Portanto, nem sequer sei de que palavra se trata."
"Compreendo.", o monge abanou a cabeça, pensativo e com um ligeiro sorriso no canto dos olhos.
"Não compreende, não. Não pode compreender. É impossível explicar-lhe o desespero inerente à perda de uma palavra.", o Escritor levou a mão à cabeça e coçou-se. Parecia cansado.
"Ouça, deve ser o mesmo desespero que se sente quando se perde a Fé.", e o monge levantou ambas as sobrancelhas e fez um esgar parecido com um sorriso, enquanto apontava para a cruz que trazia ao peito.
"Perdeu a Fé?"
"Completamente. Absolutamente. Totalmente. Irreversivelmente, arrisco dizer."
"E porquê?"
"Não sei. Talvez seja como a sua palavra. Varreu-se-me completamente do espírito."
"E agora o que vai fazer?"
"Não sei. A partir do momento em que a perdi, deixei de a querer encontrar, compreende?"
"Não sei se estou a percebê-lo."
"Repare, a vida só fazia sentido com a presença de Deus. Hoje, a vida só faz sentido sem Deus. Deus passou a ser ridículo aos meus olhos, uma invenção do Homem para suportar o peso da perda terrível e do vazio insuportável que a morte significa numa vida que sempre teve consciência de si própria e que por isso mesmo não consegue conceber a não consciência. É tão simples quanto isto. Como é óbvio, neste estado presente de coisas, procurar reencontrar a Fé seria uma incongruência, no mínimo."

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