quarta-feira, 29 de abril de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON XII

O Monge Agnóstico - Parte II
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"Totalmente de acordo. Aliás, eu próprio tive uma crise de identidade durante a minha conturbada adolescência, que me fez chegar à mesma conclusão - não nasci para ter Fé.
"Sim, eu sei, eu sou uma materialização dessa crise. Sou uma das suas muitas possibilidades."
"Mas eu nunca quis ser monge franciscano. Isso é ridículo, desculpe. Nunca tal ideia me passou pela cabeça."
"Com efeito. Mas eu sou aquilo que você imagina que seria se fosse um monge."
"E no entanto acabei por ser coerente."
"Sim. Mas a coerência por vezes perturba as possibilidades."
"De qualquer modo, continuei a interessar-me ao longo da vida por religiões. Não abandonei totalmente a Fé, num sentido filosófico, por assim dizer."
"De acordo. Mas nunca a professou. Nunca jurou votos de castidade e de pobreza perante uma assembleia de irmãos. A minha história é trágica."
"Parece-me grave, sim. Melhor seria perguntar-se porque motivo alguma vez teve Fé, já que a perdeu com tanta facilidade. Provavelmente nunca a chegou a encontrar verdadeiramente."
O monge fitou o Escritor e os seus olhos piscaram rapidamente. Parecia confuso. E bloqueado, como um programa de computador subitamente a braços com um bug repentino.
"Mas isso é impossível."
"Porquê?"
"Porque eu não era nem nunca fui um fanático que acredita pura e simplesmente naquilo que lhe impingem. Eu era um estudioso, como todos os monges da minha ordem, aliás. Eu professava a dúdiva existencialista. Eu questionava o Verbo. E mesmo assim conseguia encontrar justificações racionais para a sua existência."
"A verdade é que provavelmente se questionou tanto que acabou por chutar o Verbo para um esconderijo improvável. O Verbo teve medo de si e fugiu a sete pés."
"Agora está a ser insolente!"
"Peço desculpa. Então o que acha que aconteceu?"
"Eu lia muito. Estava a par de todas as correntes do pensamento. Acho que acabei por soterrar a Fé sob quilos e quilos de palavras, algumas das quais completamente inúteis, provavelmente."
"Conheço muitas pessoas extremamente inteligentes e letradas que, apesar de tudo, acreditam em Deus. O que me diz disso?"
"Melhor para elas. Eu não ponho isso em causa. A ignorância só traz felicidade."
"Totalmente em desacordo, agora."
"Também eu pensava assim. Agora, tudo o que levou anos a cimentar desmoronou-se num ápice. Tudo é relativo, até as nossas crenças, como vê. A única coisa que me salva são os prazeres da vida, como esta sopa e este pão maravilhoso."
"Não o entendo."
"É tudo cíclico, meu amigo. Ou se tem, ou não se tem. E não vale a pena estar a forçar nada. Ela retornará, se tiver que ser. Como a sua palavra."
"O que tem a minha palavra a ver com isto."
"Não a force a vir. Deixe-a vir até si. Há coisas que não gostam de ser apressadas, como os bons vinhos, que demoram tempo a amadurecer. Como a sua palavra, pela qual talvez valha a pena esperar mais um pouco do que pensava."
E com isto o monge abriu uma garrafa de vidro verde escuro e verteu um líquido encarnado cheio de pequenos reflexos dourados para dentro de ambos os seus copos. Sorriu, enquanto os dois brindavam às coisas demoradas.

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