quinta-feira, 16 de abril de 2009

MURMÚRIOS DE LISBOA LXXXIII

John
dsdçlk

çflgçlfg
Já foi há quase 20 anos. Mas lembro-me de tudo como se fosse ontem.
Era um velho palacete ali para os lados do Prior Velho. Eram 9 da manhã e éramos 3 miúdas de 16, 17 anos. Vestiram-nos com uniformes de meninas internas em colégios de freiras - saias de xadrez preto e bordeaux, meias até ao joelho, sapatos de verniz e capas pretas com capuzes. Maquilharam-nos com muita base e algum baton. A maquilhadora deitou as mãos à cabeça quando viu as minhas olheiras: "Ai que o realizador vai-me matar quando vir estas olheiras!", e aplicava carradas de pó branco debaixo dos meus olhos enquanto eu lhe tentava explicar que não tinha sido noitada mas era de família.
A actriz principal era uma francesa loira que fazia crochet enquanto esperava que os técnicos estivessem prontos. Aprendi aí nesse dia que os actores têm de esperar muito.
E, de repente, ele entrou no salão improvisado de sala de maquilhagem e guarda-roupa. Mais tarde uma das minhas companheiras disse-me que eu tinha ficado especada a olhar para ele, como se tivesse visto um fantasma. Experimentou umas roupas e depois atirou-nos um piropo: "Oh you gorgeous little things." Alguém da produção nos disse que estava embriagado, que começava de manhã cedo.
Finalmente, chegou a hora da filmagem. Era lá fora, numa clareira do jardim do palacete, onde havia uma fonte que jorrava água. Ele fazia de fotógrafo, daqueles antigos, com máquina de tripé e cortina preta a tapar a cabeça, a francesa fazia de menina fotografada e nós, as figurantes, faziamos de companheiras da menina, a cochichar e a rir umas com as outras enquanto ele seduzia a francesa. Em 3 takes a cena estava feita. E acabou a magia.
Ele era o extraordinário John Hurt.
O realizado era o chileno Raul Ruiz.
O filme chamava-se La Terreur du Midi e disseram-nos que era uma história meio surrealista sobre velhos que voavam e outras coisas estranhas.
Nunca vi o filme. Nem sequer sei se a nossa cena ficou incluída ou foi cortada. Nem me lembrei de pedir um autógrafo à lenda que eu idolatrava.
Mas posso dizer, com orgulho, que já partilhei um set e uma cena com o enorme, enorme John Hurt.
Já lá vão 20 anos. Ali para os lados do Prior Velho.

Sem comentários: