sábado, 25 de abril de 2009

MURMÚRIOS DE LISBOA LXXXIV

Cruzes
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Vitral Capela - Quinta da Regaleira
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Todos têm a sua cruz para carregar.
Marques é ex-polícia e todos os Sábados vem buscar o Sr. Dr. para almoçar. O Sr. Dr. é a cruz de Marques, porque lhe operou a filha e o Marques sente-se em dívida. O Sr. Dr. tem um temperamento no mínimo estranho. Insulta qualquer coisa que mexa e bebe que nem um cacho. Berra muito também. Se o Marques chega adiantado 5 minutos, tem de esperar lá em baixo antes de ligar ao Sr. Dr., ou o Sr. Dr. terá um ataque de insultos e o almoço ficará arruinado.
Agnes é casada com o Sr. Dr. há 40 anos. Nenhum desses 40 anos foi sequer remotamente feliz. Agnes carrega uma cruz pesada, porque quer. Ninguém a obrigou a isso. Ela própria se obriga a sacrificar-se. Agnes poderia ser considerada uma santa noutra época longínqua. Hoje em dia, Agnes é apenas considerada uma tonta.
Quem mais pagou pelo auto-sacrifício de Agnes foram as crianças do Sr. Dr. Agora adultos disfuncionais. Maria proferiu a seguinte frase no outro dia: "Já ouvi isto algures. Que os filhos pagam sempre pelos pecados dos pais. Acho que foi na Bíblia." Maria não acredita na Bíblia, nem em cruzes, nem em mártires, muito menos em santos ou em sacrifícios. Mas nos últimos tempos ela tem insultado, da mesma maneira que o Sr. Dr., seu pai, os filhos da puta que ela acredita estarem lá em cima algures no espaço a realizarem experiências com tubos de ensaio e cobaias como ela. A sua cruz chama-se Quimioterapia.
Maria acredita que todos temos um deserto para atravessar, como Jesus. Ao invés de Jesus, porém, o deserto de Maria não são apenas 40 dias (40 dias seriam one piece of fucking cake!), mas 210. Ela já os contou.
Maria espera que isto chegue para pagar os poucos pecados que cometeu ao longo da vida e em que nem sequer acredita. Mais os do Sr. Dr., seu pai, e mais os da mártir, sua mãe.

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