Capítulo 10. AMAR UMA FLOR
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“Foi a última vez que essa serigaita entrou nesta casa.”
“Porquê?”
“Sabes muito bem porquê.”
“Não, não sei. Mas se fizeres o favor de me esclarecer ...”
“Não quero escandaleiras à porta desta casa.”
“Ah! Não me digas que estiveste a ouvir atrás das janelas, Clara?”
Não obteve resposta. Os dedos da mão direita tamborilavam no antebraço esquerdo com uma veemência que o fez sorrir interiormente.
“Ouviste bem o que eu te disse, Johann?”
“Ouvi, querida Clara. Ouvi tudo, inclusivamente aquilo que tu chamas escandaleira e que não passou de um breve atrito entre dois namorados, se bem entendi.”
“E como não me parece que estejas em condições de fazer um julgamento correcto da situação, o assunto passa para as minhas mãos.”, continuou, como se ele nem sequer tivesse aberto a boca.
John virou a cadeira repentinamente na direcção dela e farejou-a durante o que pareceu a ambos um momento interminável, antes de proferir num tom tranquilo:
“Se a mandares embora sem o meu consentimento, vais logo a seguir.”
Clara piscou os olhos, como se uma ténue nuvem de fumo ou um insignificante insecto tivesse passado pelo seu campo de visão e continuou:
“Não tens que te preocupar com nada. Nem ela. Sairá daqui com as contas acertadas e até lhe vou dar um bónus. Mas esta farsa acabou, John.”
“Clara ... não ouviste o que eu disse, pois não?”
“Johann, não é altura para essas tuas brincadeiras cínicas e infantis! Eu estou a falar de um assunto sério. Essa rapariga não deve entrar mais nesta casa. Ontem trouxe um indivíduo até aqui, um indivíduo que podia ser perigoso. Não sabemos nada dela, a não ser o que vem no curriculum. Eu não quero arriscar ...”
“Clara ...”, o tom tornara-se monocórdico, como um disco repetido à espera de uma mão atenta que levantasse a agulha e a voltasse a colocar noutro local do prato.
“... sabes tão bem como eu que deves ter cuidado com certas pessoas. Não te estou a ensinar nada de novo, John. Não és nenhuma criança. És um homem. Inteligente. Sabes perfeitamente do que as pessoas são capazes para cheirarem a cor do teu dinheiro, quanto mais na situação em que te encontras ...”
“Clara!”, berrou finalmente, “Se a mandares embora sem o meu consentimento, podes começar a fazer as malas porque não te quero ver mais nesta casa. Ouviste agora?!”
O silêncio foi tão intenso que por momentos John colocou a hipótese de ela ter saído da sala sem que ele tivesse dado por nada. A sensação que tinha era de total ausência física, para além de si próprio. E depois, vinda do fundo da escuridão, tal e qual a voz que o perseguia no seu sonho, ouviu Clara proferir num tom cavernoso, como se não quisesse acreditar nas próprias palavras que proferia:
“Tu gostas dela ...”
Ouviu-se responder automatica e naturalmente, esquecendo-se das mil e uma barreiras que colocava sempre entre si e o seu interlocutor:
“Sim, gosto.”
“Não ...”, continuou Clara ainda mais baixo, “Tu gostas dela.”
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"- Amar uma flor de que só há um exemplar em milhões e milhões de estrelas basta para uma pessoa se sentir feliz quando olha para elas. Porque pensa: 'Ali está ela, lá no alto, a minha flor.' Mas se a ovelha comer a flor, para essa pessoa é como se as estrelas se apagassem todas de uma vez! Mas isso também não tem importância nenhuma, pois não? E não conseguiu dizer mais nada. Desatou de repente a soluçar." (49)
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E tão repentinamente como tinha entrado, Clara saiu sem fechar a porta deixando John com a mesma sensação de vazio, mas desta vez real.
Sentiu-se novamente ridículo. Porque se vira subitamente a defendê-la, àquela serigaita e ao seu namorado campónio, perante Clara, apesar de aquela serigaita e o seu ridículo namorado provinciano o terem magoado até à medula com as palavras que haviam trocado entre si.
“Porquê?”
“Sabes muito bem porquê.”
“Não, não sei. Mas se fizeres o favor de me esclarecer ...”
“Não quero escandaleiras à porta desta casa.”
“Ah! Não me digas que estiveste a ouvir atrás das janelas, Clara?”
Não obteve resposta. Os dedos da mão direita tamborilavam no antebraço esquerdo com uma veemência que o fez sorrir interiormente.
“Ouviste bem o que eu te disse, Johann?”
“Ouvi, querida Clara. Ouvi tudo, inclusivamente aquilo que tu chamas escandaleira e que não passou de um breve atrito entre dois namorados, se bem entendi.”
“E como não me parece que estejas em condições de fazer um julgamento correcto da situação, o assunto passa para as minhas mãos.”, continuou, como se ele nem sequer tivesse aberto a boca.
John virou a cadeira repentinamente na direcção dela e farejou-a durante o que pareceu a ambos um momento interminável, antes de proferir num tom tranquilo:
“Se a mandares embora sem o meu consentimento, vais logo a seguir.”
Clara piscou os olhos, como se uma ténue nuvem de fumo ou um insignificante insecto tivesse passado pelo seu campo de visão e continuou:
“Não tens que te preocupar com nada. Nem ela. Sairá daqui com as contas acertadas e até lhe vou dar um bónus. Mas esta farsa acabou, John.”
“Clara ... não ouviste o que eu disse, pois não?”
“Johann, não é altura para essas tuas brincadeiras cínicas e infantis! Eu estou a falar de um assunto sério. Essa rapariga não deve entrar mais nesta casa. Ontem trouxe um indivíduo até aqui, um indivíduo que podia ser perigoso. Não sabemos nada dela, a não ser o que vem no curriculum. Eu não quero arriscar ...”
“Clara ...”, o tom tornara-se monocórdico, como um disco repetido à espera de uma mão atenta que levantasse a agulha e a voltasse a colocar noutro local do prato.
“... sabes tão bem como eu que deves ter cuidado com certas pessoas. Não te estou a ensinar nada de novo, John. Não és nenhuma criança. És um homem. Inteligente. Sabes perfeitamente do que as pessoas são capazes para cheirarem a cor do teu dinheiro, quanto mais na situação em que te encontras ...”
“Clara!”, berrou finalmente, “Se a mandares embora sem o meu consentimento, podes começar a fazer as malas porque não te quero ver mais nesta casa. Ouviste agora?!”
O silêncio foi tão intenso que por momentos John colocou a hipótese de ela ter saído da sala sem que ele tivesse dado por nada. A sensação que tinha era de total ausência física, para além de si próprio. E depois, vinda do fundo da escuridão, tal e qual a voz que o perseguia no seu sonho, ouviu Clara proferir num tom cavernoso, como se não quisesse acreditar nas próprias palavras que proferia:
“Tu gostas dela ...”
Ouviu-se responder automatica e naturalmente, esquecendo-se das mil e uma barreiras que colocava sempre entre si e o seu interlocutor:
“Sim, gosto.”
“Não ...”, continuou Clara ainda mais baixo, “Tu gostas dela.”
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"- Amar uma flor de que só há um exemplar em milhões e milhões de estrelas basta para uma pessoa se sentir feliz quando olha para elas. Porque pensa: 'Ali está ela, lá no alto, a minha flor.' Mas se a ovelha comer a flor, para essa pessoa é como se as estrelas se apagassem todas de uma vez! Mas isso também não tem importância nenhuma, pois não? E não conseguiu dizer mais nada. Desatou de repente a soluçar." (49)
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E tão repentinamente como tinha entrado, Clara saiu sem fechar a porta deixando John com a mesma sensação de vazio, mas desta vez real.
Sentiu-se novamente ridículo. Porque se vira subitamente a defendê-la, àquela serigaita e ao seu namorado campónio, perante Clara, apesar de aquela serigaita e o seu ridículo namorado provinciano o terem magoado até à medula com as palavras que haviam trocado entre si.
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(49) O Principezinho - Antoine De Saint-Exupéry
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