sexta-feira, 18 de abril de 2008

EM MINHA CASA, NA PONTA DOS PÉS 41 (cont.)

Capítulo 11. PODEREI COMPARAR-TE A UM DIA DE VERÃO?
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"Sim?"
"Traga um dos seus preferidos, amanhã."
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"Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.
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Mas um terror antigo, que insepulto
Trago no coração, como de um trono
Desce e se afirma meu senhor e dono
Sem ordem, sem meneio e sem insulto.
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E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de Inconsciente
A qualquer mão nocturna que me guia.
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Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nada existo como a treva fria.” (51)
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Quando saiu estava a nevar e estava frio. Olhou para a Casa Branca, para a janela iluminada onde a sombra dele se recortava e sorriu tristemente. Pensou que enquanto ele quisesse que ela continuasse a ler, provavelmente não pensaria em fazer nada … bastava-lhe continuar a ler …
Clara observava-a, do interior da casa e pensava exactamente a mesma coisa.
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Foi quando ela lhe tocou que abandonou quaisquer pensamentos idiotas, finalmente. Há meses que ninguém lhe tocava. Nenhuma mulher. Ela pegara-lhe na mão e colocara lá o pacote que iria acabar com tudo. Tencionara deixá-la ir embora, mas não fora capaz, porque a maldita esperança que ela lhe trouxera se estendera a um desejo de voltar a sentir a sua mão quente e suave.
"Onde é que pensa que vai?"
Não quis saber se ela ia achar que ele fraquejara. Provavelmente nem se dera conta. Mas não queria saber, mesmo assim. Não sabia o que estava a fazer. Só queria tê-la ali até tudo acabar. Ao menos isso. Nenhuma mudança na rotina estabelecida. Como se isso lhe oferecesse uma espécie de cortina transparente guardiã do pudor entre si e a terrível resolução que acabara de tomar.
Depois caíra na pateticidade de lhe pedir para trazer um dos seus preferidos. Ela pensara certamente que ele estaria interessado no que ela gostava. Não estava. Só não queria pensar.
Uma tarde chegou a ter o descaramento de querer levá-lo a dar uma volta ao quarteirão. Limitou-se a responder:
"Emily, eu pago-lhe para ler. Não para passear o cãozinho. Continue."
Queria apenas continuar a ouvir a sua voz sem ter de prestar atenção ao que ela dizia. E queria ouvi-la no seu melhor, lendo o que realmente gostava.
E ela excedeu-se. Atingiu a perfeição.
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Passara a observá-lo com atenção redobrada. Se até então o estudara com uma curiosidade simplória, como um aldeão mira um palácio apenas baseado em noções de beleza pré-concebidas por outros, agora passara a fazê-lo com interesse, tentando descortinar os seus pensamentos, as suas expressões, as suas nuances com um rigor quase obsessivo. Queria tentar perceber se um determinado dia era um dia mau ou bom, se nesse dia particular ele poderia tentar fazer o que se propusera.
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“Hoje é um bom dia para morrer.”(52)
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Enquanto isso, escolhia livros que lhe pareciam celebrar a vida, embora de qualidade duvidosa, numa patética tentativa de dissipar o odor a morte que os envolvia.
Um dia interrompeu bruscamente a leitura e, sem pensar no que estava a fazer, perguntou:
“Porquê?”
John não respondeu, nem sequer se mexeu.
Ela insistiu:
“Porque é que vai fazer isso?”
Ele soltou um suspiro audível, como se ela fosse uma menina mimada a quem era preciso explicar tudo mil e uma vezes.
“Emily … escusa de tentar a psicologia invertida. Não funciona.”
“Eu não estou a tentar nada. Eu quero saber porquê. Explique-me.”
“É preciso explicar? …”
“É.”, insistiu teimosamente, sem saber muito bem o que realmente pretendia.
“Feche os olhos.”, murmurou.
Ela piscou os olhos, sem ter a certeza de ter compreendido.
“Emily, feche os olhos agora.”
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(51) Sem título - Fernando Pessoa
(52) Ditado popular dos índios norte-americanos

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