terça-feira, 29 de abril de 2008

EM MINHA CASA, NA PONTA DOS PÉS 43 - FIM

Capítulo 12. À NOITE TOQUEI-TE E SENTI-TE
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Durante muito tempo ficou sentada no chão do seu minúsculo quarto a olhar para Wolf, que Clara lhe entregara com um seco:
"O Sr. Strat deixou-lhe o cão. E isto."
Sabia que John lhe deixara o cão porque Clara odiava o animal e durante muito tempo foi incapaz de lhe tocar, e apesar dos ganidos lancinantes que o setter deixava escapar interminavelmente.
Depois os caixotes começaram a chegar. Durante um dia inteiro assistiu, apática, ao descarregamento de caixotes repletos de livros, diligentemente empilhados por todo o quarto pelos quatro carregadores da empresa transportadora que a olhavam e sorriam, tecendo comentários em surdina entre si. John deixara-lhe todos os livros da sua biblioteca pessoal, era o que dizia o documento que ela assinou automaticamente, como se a sua mão pertencesse a uma outra pessoa que ela desconhecia.
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"Ao entardecer de um dia muito quente de inícios de Julho, um jovem saiu do cubículo que subalugara na ruela S… e pôs-se a caminhar lentamente, como que indeciso, na direcção da ponte K… Foi sorte ter evitado o encontro com a senhoria nas escadas. O cubículo era na água-furtada de um prédio alto, de quatro andares, e parecia mais um armário do que um compartimento. Pois bem, a senhoria que lhe subalugara o cubículo, com almoço e serviço incluídos, ocupava …" (2)
" 'O quê?', gritou D'Artagnan, 'o seu primeiro padrinho é o Sr. Portos?'
'Sim. Isso desagrada-lhe?'
'Oh, de maneira nenhuma.'
'E aqui vem o outro.'
D'Artagnan virou-se na direcção indicada por Atos, e avistou Aramis.
'O quê?' gritou ele, ainda mais admirado, 'a sua segunda testemunha é o Sr. Aramis?'
'Sem dúvida que é. Não sabe que nós nunca somos vistos uns sem os outros e que somos chamados nos mosqueteiros e na guarda da corte e na cidade Atos, Portos e Aramis ou os três inseparáveis? …" (3)
"Na bela Verona, onde se vai passar este drama, duas famílias, iguais em nobreza, impulsionadas por antigos rancores, fazem com que entre si se desencadeiem novas discórdias, em que o sangue dos cidadãos tinge as mãos dos cidadãos.
Das entranhas fatais destas duas famílias inimigas, e sob funesta estrela, nascem dois amantes …" (4)

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Não sabia o que estava na cassete que Clara também lhe entregara num envelope. Não conseguia imaginar, tinha medo de ouvir a voz dele, tinha medo que no fim, perto do derradeiro fim, ele se tivesse deixado abandonar a um qualquer tipo de sentimentalismo. “Gostei muito de a conhecer, apesar do que possa pensar.”
Deixou-a guardada no envelope que transportava consigo para todo o lado.
Entretanto, pensou que se ele tivera finalmente coragem para fazer aquilo que queria, ela também teria para acabar com uma relação moribunda e foi o que fez. Steve não percebeu e ela não se importou.
Visitava a sua campa todos os fins-de-semana para o manter ao corrente das novidades literárias e ler-lhe os seus livros. A sua audiência eram os pássaros.
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“Three quarks for Muster Mark!
Sure he hasn't got much of a bark
And sure any he has it's all beside the mark.
But O, Wreneagle Almighty, wouldn't un be a sky of a lark
To see that old buzzard whooping about for uns shirt in the dark
And he hunting round for uns speckled trousers around by Palmer-stown Park?
Hohohoho, moulty Mark!” (53)
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De vez em quando cruzava-se com Clara, mas nunca trocavam uma palavra sequer. As flores estavam sempre frescas e as suas nunca eram retiradas ou maltratadas.
Decidiu começar a frequentar as aulas de literatura da faculdade com o dinheiro que juntara. Mas não se inscreveu com Hesse e este nunca mais lhe dirigiu a palavra.
Até que um dia, um dia particularmente agradável em que recebera uma nota suficientemente boa e um elogio particularmente lisongeador de um dos seus arrogantes colegas, decidiu-se. Retirou a cassete do envelope, colocou-a no gravador e deixou-a correr. A sua própria voz encheu o minúsculo quarto:
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"À noite toquei-te e senti-te
sem que a minha mão fugisse para lá de minha mão,
sem que meu corpo fugisse, ou meus ouvidos:
de um modo quase humano
senti-te.
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A pulsar,
Não sei se como sangue ou como nuvem
Errante,
Em minha casa, na ponta dos pés, escuridão que sobe,
Escuridão que desce, cintilante, correste.
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Correste por minha casa de madeira,
E abriste as janelas,
E senti pulsar a noite toda,
Filha dos abismos, silenciosa,
Guerreira tão terrível e tão bela,
Que tudo quanto existe,
Sem tua chama, não existiria para mim." (26)
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Depois chorou até lhe doerem os olhos.
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(1) Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski; (2) Os Três Mosqueteiros - Alexandre Dumas; (3) Romeu e Julieta - William Shakespeare; (53) Finnegans Wake - James Joyce; (26) Escuridão Formosa - Gonzalo Rojas
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= FIM =
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P.S. Obrigada, por enriquecerem esta história: Lewis Carroll, Fiódor Dostoiévski, Alexandre Dumas, William Shakespeare, Edward Behr, Lord Byron, JRR Tolkien, Arthur C. Clarke, Paul Auster, Gabriel García Márquez, Stephen King, Ernest Hemingway, John Steinbeck, James Joyce, Dante Alighieri, Charlotte Brontë, Gonzalo Rojas, Carl Sagan, Angela Carter, W. B. Yeats, Miguel de Cervantes Saavedra, Franz Kafka, Jorge Luís Borges, Vladimir Nabokov, Nikos Kazantzakis, Michel Tournier, Leo Tolstoy, Johann W. Goethe, Emily Dickinson, Joseph Heller, Thomans Mann, Sophia de Mello Breyner Andresen, Ray Bradbury, Antoine De Saint-Exupéry, Fernando Pessoa

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