sexta-feira, 2 de maio de 2008

EM BUSCA DE PALAVRAS 21


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“Rejoice O young man in thy youth ...” - Eclesiastes
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Há muito que queria rever Platoon. A pesquisa ofereceu-me a desculpa ideal. Não porque estivesse interessada nas armas de Platoon. O que me interessava eram os homens desse pelotão “Bravo” e a tragédia grega que Oliver Stone compôs sob a batuta de Samuel Barber e o seu pungente Adagio for Strings. Interessava-me sobretudo um homem chamado Sargento Barnes.
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Platoon é, para quem não se recorda, a história de uma guerra, entre duas nações, mas também e sobretudo entre 2 homens de uma mesma nação. O Vietname está lá claro, como pano de fundo estrutural e simbólico de uma guerra mais violenta ainda, uma guerra de fantasmas interiores e aí reside toda a mestria de Stone neste filme. Se se tivesse ficado pela guerra do Vietname, teria feito apenas (e não era pouco) um grande filme. Em vez disso, pegou em 2 homens, o Sargento Elias e o Sargento Barnes e transformou um grande filme num épico intemporal de contornos trágicos e eternos que perdura na memória de todos os que o viram, mesmo que disso não se apercebam conscientemente.
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A mestria começa no casting, invertido. A Willem Dafoe, o actor de rosto diabólico habituado a interpretar papéis desconcertantes e negros, coube o cruzado Elias, o deus imaculado de princípios elevados. A Tom Berenger, o actor de rosto bondoso, o good old american boy habituado a interpretar heróis, coube Barnes, o deus corrompido e negro.
É fácil gostar de Elias. É fácil gostar dele quando ajuda os novatos acabados de chegar, enquanto Barnes não tem pachorra para eles. É fácil gostar dele quando defende os aldeãos a quem Barnes acaba de matar uma velha vietnamita com um tiro na cabeça apenas porque ela não parava de berrar. É fácil gostar dele quando partilha com os soldados rasos a droga amortecedora, enquanto Barnes nem toca nela. É sobretudo fácil gostar dele quando Barnes o atinge a sangue frio e o abandona no meio da selva para ser chacinado pelos vietcongs numa das cenas mais arrebatadoras do filme. É fácil.
Não é fácil gostar do antipático, bruto, fechado, enraivecido e feroz Barnes que, como um touro espumando, atravessa o filme atentando contra tudo e todos. Não é nada fácil gostar de Barnes. Mas a verdade é que acabamos por gostar dele, talvez mais até do que do santo Elias. Mérito de Oliver Stone e sobretudo de Tom Berenger, que carrega heroicamente o seu Sargento através do inferno até aos nossos corações.
Como o próprio diz: “Eu não preciso de fumar isto para fugir à realidade. Eu sou a realidade.”
E é disso que este filme trata. Do confronto entre a realidade nua e crua e absurda da guerra que nunca tem sentido nenhum e o idealismo puro e teimoso e absurdo dos princípios morais. Entre um homem que, de tanto levar, ultrapassou todas as barreiras com o seu corpo cicatrizado e a sua mente desumanizada e um homem que, apesar de tanto ter levado, mantém os seus valores intactos.
No meio destes dois deuses da guerra que se digladiam nas profundezas da selva vietnamita, está o soldado Chris Taylor (estou em crer que outra mestria de casting nada ingénua – Charlie Sheen; o seu pai, Martin, foi o protagonista principal dessa outra tragédia grega também sobre o Vietname, que é Apocalipse Now). Taylor, como tantos outros jovens, ofereceu-se como voluntário, para espanto e até escárnio dos seus companheiros que, porque de condição humilde e de cor “errada”, não tiveram outra escolha. Taylor vê-se lançado para o meio de uma batalha terrível, onde não haverá vencedores nem vencidos e de onde ele próprio sairá renascido como uma fénix, das chamas e das cinzas dos restos desses dois deuses que trilham um caminho tenebroso em direcção da auto-destruição inevitável.
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Como diz Rhah a Taylor: “O que é que vais fazer? Matá-lo? O Barnes já foi ferido 7 vezes e não morreu. Porque não se decidiu a morrer. A única coisa que pode matar Barnes é o próprio Barnes.” E assim sucede. Chris acaba por matá-lo, obedecendo à ordem do condenado Sargento Barnes: “Dispara!” E transforma-se, ele próprio no seu carrasco, no seu fantasma interior.
No fim, Chris abandona a selva num helicópetro e ouvimos a sua voz, enquanto sobrevoa o inferno dantesco: “Penso agora, que não combatemos o inimigo, mas a nós mesmos. O inimigo estava em nós. A guerra acabou para mim, mas permanecerá sempre comigo, o resto dos meus dias. Como tenho a certeza que Elias permanecerá, lutando com Barnes por aquilo que Rhah chamou ‘possessão da minha alma’. Houve alturas desde então que me senti como uma criança, nascida daqueles dois pais. Mas ainda assim, aqueles de nós que sobreviveram têm a obrigação de reconstruir de novo. Ensinar aos outros o que sabemos e tentar, com o que resta das nossas vidas, um bem e um sentido para esta vida.”
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Platoon é um filme impressionante, de uma simplicidade angustiante e comovedora. O próprio nome – apenas Platoon=pelotão – resume essa intenção. Tom Berenger tem a interpretação da sua vida, de uma crueza e honestidade despojadas de artifícios, arrebatadora. E no fim, é com ele que nos identificamos mais. Porque ele é, de facto, a realidade. Cinzenta, grosseira, com a força de um soco no estômago e a angústia de um deus contrariado e ferido.
No fim, gostamos de Barnes, sim. Não podemos não gostar. Porque sabemos que poderiamos transformar-nos nele, ou pior, caso fossemos lançados nas mesmas circunstâncias. Face a face com a morte mais cruel e arbitrária, todos os dias de uma vida sem passagem de regresso.

Barnes é a Guerra. Ele é o Vietname.
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