terça-feira, 20 de maio de 2008

Passo os dedos pelo dicionário ao acaso e aterro em ...

FRIGORÍFICO
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Repositório de memórias olfactivas e gustativas, o frigorífico é uma caixa mágica, branca e luminosa, que repousa placidamente nas nossas cozinhas, emitindo um zumbido ocasional e conservando nas suas entranhas um espelho fiel de quem somos, do que queremos, desejamos, evitamos ou fantasiamos.
Lá dentro está a nossa vida concentrada em cheiros e sabores oriundos dos cinco cantos do planeta. Lá dentro estão todos os nossos pecados, coloridos, empacotados, com prazos de validade, listas de ingredientes e tabelas de compostos químicos elaborados em laboratórios de multinacionais longínquas, que adquirimos nas mercearias do nosso bairro ou nas grandes superfícies da nossa cidade.
A Gula, guardada dentro de caixas transbordando de gordura, açúcares e molhos.
A Preguiça, empacotada em refeições rápidas prontas em 1 minuto de micro-ondas.
A Ira, engarrafada em vidros de bolhas gasosas que afogam as nossas mágoas.
A Luxúria, embrulhada em licores e elixires pecaminosos.
A Avareza, nos pacotes de delícias que guardamos só para nós, sem partilhar com mais ninguém.
O Orgulho nos pratos requintados que preparámos "como só nós sabemos fazer".
A Inveja nos desastres culinários que não ousamos mostrar aos nossos rivais.
Lá dentro guardam-se os segredos de uma vida de excessos, de uma existência anorética ou bulímica, ou de um percurso equilibrado, saudável e ecológico.
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Abra-se o frigorífico de alguém e conheceremos de imediato uma parte da sua essência. Porque somos aquilo que comemos, ou a comida nos faz aquilo que somos, ou pela boca morre o peixe ou, simplesmente, porque quem vê frigoríficos verá alguma parte dos corações dos seus donos.
Está vazio? O seu dono não pára muito em casa e costuma comer fora. É livre e foge das regras e talvez exista um buraco no seu coração que anseia por plenitude familiar e refeições caseiras. Poderá odiar comer sozinho.
Está a abarrotar? O seu proprietário sofre de ansiedade e, como os esquilos, armazena víveres para casos de emergência imaginários, que apenas existem na sua mente.
Está compartimentado e etiquetado, com datas e nomes, arrumadinho e sempre impecável? O seu dono é regrado e disciplinado, talvez com a mania das limpezas.
Existem coisas vivas a fermentarem lá dentro há semanas, abandonadas? Estamos perante alguém desleixado, possivelmente viciado em algo, ou um globe-trotter crónico.
O nosso frigorífico diz muito dos nossos hábitos e do nosso carácter e até das nossas fantasias.
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Também diz muito das nossas viagens físicas. A maioria de nós decora-o com recordações dos sítios por onde passámos, colorindo a sua superfície lisa e incolor com os rastos carregados de memórias, cheiros, sabores e emoções da nossa passagem por este mundo.
Curioso ... quando fui ver ao dicionário, um dos sinónimos de frigorífico é “estrangeiro”.
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Finalmente, também nos fartamos de escrever sobre ele. Listas de compras, recados amorosos, lembretes de reuniões, consultas médicas, contas para pagar. Porque sabemos que, se não for no frigorífico, a mensagem poderá perder-se para sempre.
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O frigorífico é a nossa memória, olfactiva, gustativa, emocional e organizativa.
E quantas vezes nos lembramos disso, de entre as dezenas de vezes que o abrimos por dia?

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