sábado, 14 de novembro de 2009

MURMÚRIOS DE LISBOA LXXXIX

NY
dçºlºçd

Graffiti no muro junto ao C. C. Amoreiras
d-dkld
Chamei-lhe Raúl. Não sei porquê. Foi o primeiro nome que saltou do pote.
Raúl vai sentado dois lugares à minha frente. Não lhe vejo os olhos, apenas as pestanas longas e fartas, quando ele vira a cabeça na direcção da janela e observa as margens do percurso. Raúl traz um boné de pala branco na cabeça, preenchido por um padrão composto pelas letras N e Y repetidas em ponto pequeno e um par maior delas na parte da frente, sobre a pala. Veste um kispo azul e cinzento e ginga o pescoço ao som duma boa e animada kizomba, que o seu telemóvel berra cá para fora. Felizmente tenho o meu Richard Marx no rosário do mp3 (sim! eu ouço Richard Marx, porquê?!) e por isso não sou obrigada a prosseguir o trajecto com a banda sonora do Raúl, ao contrário do resto dos ocupantes do autocarro.
De perfil, Raúl parece o Michael Jackson quando ainda era muito novinho e tinha carapinha. Não sei se dança tão bem quanto Michael, mas de certeza que dança - a forma como ginga o pescoço diz-me isso. O miúdo tem jeito para se mexer.
Apesar do boné, Raúl nunca viu Nova Iorque, a não ser em filmes e fotografias. Vive enterrado no labirinto de Chelas e sonha ser um dia uma estrela do Kuduro, como outros Rauis do outro lado do Atlântico sonham com as estrelas do hip hop, no labirinto castanho de Harlem ou do Bronx.
Se Raúl não se perder nos destroços de Chelas, um dia ele terá uma vida que lhe poderá proporcionar a oportunidade de visitar a NY do seu boné. Vejo-o, daqui a uns 15 anos, no topo do Empire State Building, as pestanas longas e fartas humedecidas de emoção, a contemplar os desfiladeiros de vidro e aço.
Consigo vê-lo. Ao Raúl, em NY.

Sem comentários: