quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON II

A Bailarina Que Se Julgava Um Cisne
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Como qualquer bailarina, esta encontrava-se ocupada em manter uma posição absolutamente impossível para qualquer mortal.
Quando o Escritor entrou, ela nem deu pela sua presença, tal era a concentração.
Este atravessou a sala circular em bicos dos pés e depois, como não encontrasse nenhum canto, sentou-se no chão e ficou a mirá-la durante o que pareceria a qualquer observador exterior uma eternidade. Para ele e para ela passaram-se apenas alguns momentos de êxtase absoluto.
O Escritor fez uma nota mental para conseguir lembrar-se de todos os pormenores que lhe permitiriam descrevê-la minuciosamente mais tarde:
Corpo de flamingo cor-de-rosa
Pernas delgadas mas musculadas e desenhadas por anos de exercícios implacáveis
Braços ondulando no ar, aparentemente sem a presença de quaisquer articulações
Mãos de dedos longos e delicados
Cintura de vespa
Pescoço de garça
Cabelo castanho apanhado atrás da nuca no típico pompom de bailarina clássica
O que o levou ao vestuário:
Mayô preto
Meias cor de carne
Tutu preto
Ah! e finalmente as sapatilhas de cetim rosa e, por consequência, os pés.
O Escritor inclinou a cabeça para um dos lados, não temos presente qual deles, e murmurou encimesmado:
"A essência está nos pés"
"Sempre me disseram que eu tinha pés de bailarina", e quando ela falou pareceu-lhe mais um grito, porque se assustou depois daquele silêncio ensurdecedor.
"Sim?"
"Claro. Em pequena conseguia já pôr-me em pontas descalça, algo verdadeiramente prenunciador. Quer um chá?", e desmembrou-se de volta a algo parecido com um ser humano, enquanto chapinhava pelo chão, os pés virados para fora, na direcção de uma garrafa de água pousada do outro lado da sala, ao mesmo tempo que limpava o pescoço sinuoso com uma toalha branca.
"Vim procurar uma palavra."
"Uma palavra?"
"Sim, com efeito. Desertou-me, a ingrata. Por acaso não a viu por aí, enquanto dançava?"
"Não ... eu não vejo palavras. Eu só vejo corpos. E neste momento, cisnes."
"Compreendo. Mas talvez ela esteja escondida algures por aqui. Talvez dentro da caixa de resina?"
A Bailarina chapinhou até à caixa e flectiu o pé até formar uma curva perfeita, a fim de remexer no seu conteúdo.
"Não me parece."
"Ou então ... talvez ... permite-me que dê uma olhadela?", e o Escritor aproximou-se da Bailarina a medo.
"Com certeza. Mi cuerpo es su cuerpo.", e riu-se com a sua piada.
O Escritor levantou um dos braços da Bailarina, depois o outro. A posição era, portanto a quinta, uma vez que ela afastara também os pés para melhor se equilibrar enquanto era alvo do exame.
Depois levantou-lhe delicadamente a perna direita para a frente, em ângulo recto.
"Hmmm. Não me parece que esteja por aqui. De qualquer forma, existem muitas palavras no seu corpo. Mas nenhuma é aquela que procuro."
"E que palavras são essas?"
"Oh, uma infinidade delas. Tantas, que poderia escrever uma epopeia sobre o seu corpo. Talvez o faça um dia. Mas agora deixo-a. Vou continuar a procurar a minha palavra."
"E o chá?"
"Passarei por aqui mais tarde e tomarei um chá consigo. Prometido."
O Escritor escreveu um ramo de rosas encarnadas e ofereceu-as à Bailarina.
Ela agradeceu com a sua vénia mais esculpida e sorriu. Depois regressou à sua posição impossível de cisne moribundo.
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inspirado em e dedicado a Margot Fontayne
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P.S. Por amor à arte e por estupidez, a autora desta história lesionou-se ao pôr-se em pontas para treinar a fotografia, sem o aquecimento devido, quando não fazia exercício há mais de um ano.
Resultado: Uma dor agonizante no músculo da parte inferior da perna que demorou 60 excruciantes segundos.
Resolução: Recomeçar a praticar exercício o quanto antes. Que vergonha, irra!
Obrigada, Margot.
Warning: Do not attempt this stunt at home!

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