sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON IV

O Astronauta Que Sofria de Vertigens
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O Astronauta estava, como é natural, pendurado de cabeça para baixo no espaldar do beliche superior.
Apesar de tudo, ainda me recordava dele. Era pequeno, magro e nervoso. Tinha uns olhos grandes e melancólicos e gostava de ter discussões infindáveis sobre a extensão do universo e guitarras eléctricas.
Balançava a parte de cima do corpo de trás para a frente e fingia falar para um intercomunicador tecnologicamente avançado, directamente para o centro de controlo da NASA na Terra.
"Voyager chama Terra. Alô Terra. Conseguem ouvir-me?"
Decidi responder-lhe. Penso que ele não notaria a diferença. Aos 8 anos, a sua mente ainda conseguia ser suficientemente flexível para misturar ficção e realidade naturalmente e sem grandes dúvidas existenciais traumáticas.
"Daqui Centro de Controlo da NASA. Ouvimos-te lindamente."
"Óptimo! Estou a fazer o meu primeiro passeio no exterior. Ao mesmo tempo o meu aparelho de detecção de raios y capta as radiações infra-vermelhas de Saturno. Conseguem receber?"
"Roger that, Captain."
"Isto é fenomenal, pá! Estou nas nuvens!"
"Comandante, tenho uma pergunta para lhe fazer."
"Estou a ouvir."
"Consegue ver a Terra daí?"
"Consigo. Perfeitamente. Um pontinho azul no meio do espaçp, lá ao fuuuuuundo. A Terra é bonita."
"E que tal esses anéis de Saturno?"
"Fenomenaaaaaais!!"
"Alguma palavra que queira partilhar connosco, Comandante?"
"Agora não posso falar! Os marcianos vêm aí! Estou a ser atacado! Ratatatatata! Ratatatata!", disparou energicamente a sua imaginária arma de raios laser na direcção da parede oposta.
Depois caiu do beliche subitamente, uma massa de músculos e ossos emaranhados no meio do chão, que gritavam e gargalhavam com excitação.
"Opááááá!!! Tenho vertigens!"
"Um astronauta com vertigens?"
"Sim ...", mais risos, enquanto se endireitava e cruzava as pernas no chão.
"Isso é um absurdo, não acha, Comandante?"
"Se calhar.", encolheu os ombros displicentemente.
"Como é que vai resolver essa situação?"
"Mas não faz mal. No espaço flutua-se e não há chão, por isso ..."
"Bem pensado."
"Quem és tu? És um alien?"
"Não, sou o teu futuro."
"Quê???!!!", olhos arregalados.
"Este aqui que vês é quem tu vais ser daqui a muitos anos."
"Quantos anos tens?"
"Quarenta."
"Ihhhh!!!! Tão velho!"
"Não é assim tão velho.", senti-me um pouco indignado, tinha-me esquecido como as crianças podem ser tão incrivelmente directas e, por isso, cruéis, sem saberem.
"Isso é velhíssimo!", continuou ele, sem se aperceber que me esmagava completamente com aquelas palavras, "Isso é do tempo dos dinossauros. E o que é que fazes? És astronauta?"
"Infelizmente, não. Mas sou escritor."
"Escreves histórias de astronautas? Tenho aqui umas muita giras!", levantou-se e foi buscar um monte de livros de quadradinhos coloridos. Voltou a sentar-se ao meu lado de pernas cruzadas e folheou-os, entusiasmado, mostrando-me todos os pormenores. Depois parou e olhou-me, muito sério.
"Então eu não vou ser astronauta."
"Não. Em Portugal isso é difícil."
"Pois. Só os americanos e os russos é que são astronautas."
"Mas posso escrever sobre astronautas. E imaginar como é ser astronauta."
"Isso também é giro. Um escritor pode inventar tudo e fazer com que seja verdade."
"Exactamente. Mas agora ando à procura de uma palavra."
"Qual palavra?"
"Não sei. Uma palavra qualquer. Perdi-a."
"Mas se não sabes qual é a palavra, como é que podes andar à procura dela? Se calhar já a encontraste e não sabes!"
"Se calhar ... Procuro uma palavra que resuma a minha vida toda."
"Como assim?"
"Uma palavra que esteja relacionada comigo. Tens alguma palavra de que gostes mais?"
"Astronauta! Voar! Chocolate. Pipocas. Há tantas palavras ..."
"É verdade. Muitas mais do que pensas."
"Na escola, todos os dias aprendemos uma palavra nova. Porque é que não procuras no dicionário?"
"Hmmm. Talvez seja boa ideia."
Levantou-se de novo e foi buscar o dicionário a uma estante.
"Olha, podes procurar por letras. Qual é a primeira letra da palavra que procuras?"
"Não sei. Não faço a mínima ideia."
"Oh! Mas assim é difícil. Tens que saber. Pensa nisso e depois vem cá outra vez e procuramos a tua palavra. Agora tenho de voltar ao espaço. A Voyager já acabou de abastecer."
"Roger that, Comandante."
"Adeus."
"Adeus, Astronauta. Boa viagem."

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