terça-feira, 27 de janeiro de 2009

MURMÚRIOS DE AVALON I

O Actor Que Se Achava Um Inútil
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O Actor interpretava uma parede. Por isso, quando entrou não o viu. O Actor era bom. Era o melhor. Apesar dele próprio nunca poder admitir isso, nem em público, nem sequer em privado, mesmo que interiormente o soubesse melhor que ninguém. E, apesar de dizer umas baboseiras de quando em vez, das poucas vezes que concedia entrevistas, como quando afirmou que tinha a profissão mais inútil do mundo. Podia até ser que tivesse razão. Afinal de contas, a profissão de actor não alimenta ninguém, na maioria dos casos nem sequer o próprio.
O Escritor conhecia bem aquele Actor. Por isso, ficou deveras nervoso, quando viu que o outro tinha reparado em si. De mais a mais, ele era conhecido por ser insuportável para pessoas insignificantes como ele, porque era uma estrela, e as estrelas não têm paciência para pulgas.
Mas o Actor moveu-se lentamente até chegar à beira do palco, naquele seu modo muito característico, e quedou-se a observá-lo, sem pestanejar sequer. Estava vestido de preto dos pés ao pescoço, o Escritor imaginou que para disfarçar a sua gordura lendária.
Proferiu as únicas palavras que há muito pensara sobre ele e fantasiara um dia poder oferecer-lhe:
"Tu és, foste e serás durante muito tempo o maior actor que o mundo conheceu."
O seu coração bateu mais forte e sentiu-se transpirar subitamente. Também se sentiu ridículo. Quantas vezes teria ele ouvido aquelas palavras banais durante toda a sua vida de actor?
Não lhe respondeu. Sentou-se no rebordo do palco e continuou a observá-lo. Ao fim de alguns minutos, o Escritor percebeu o que se estava a passar. Era a sua forma de agradecimento, talvez, por aquelas palavras, ou talvez ele estivesse apenas a fazer precisamente aquilo para que nascera e a única coisa que sabia - representar. Apercebeu-se que o Actor estava agora a representá-lo a si. Era como se estivesse a olhar para um espelho vivo.
"Procuro uma palavra.", disse.
"Procuro uma palavra", repetiu o Actor exactamente com a mesma entoação.
"Por acaso não se encontrou com ela?"
"Por acaso não se encontrou com ela?"
E depois apercebeu-se que o Actor não poderia nunca ter encontrado a sua palavra porque ele apenas trabalhava com as palavras dos outros, ou as ideias dos outros. O Actor apenas poderia encontrar as palavras que o Escritor já tinha encontrado, ou as palavras correspondentes às ideias que o Escritor já teria pensado. Porque não inventava palavras, repetia-as. Mesmo admitindo que este Actor era de todos o que mais improvisava, mesmo assim, ele repetia as palavras de outros, todos os outros, pois qualquer outro era a sua fonte de inspiração, o seu alimento, o seu lume.
O Escritor despediu-se do Actor com uma vénia profunda. O Actor imitou-o e depois sorriu imperceptivelmente antes de se virar de novo para a parede e se confundir com ela, até não ser mais possível perceber onde começava a parede e acabava o homem.
lkfçlkg
inspirado em e dedicado a Marlon Brando

4 comentários:

Daniel C.da Silva disse...

Bonita homenagem

Andrómeda disse...

Thanks :)

Dry-Martini disse...

Quer-me parecer que este Senhor também seria um fortissimo candidato a superar o Russel Crowe .P

XinXin

PS: Gostei muito .)

Andrómeda disse...

Enganas-te. Este senhor nada tem que ver com essas brincadeiras, apesar de nos seus tempos de juventude ser um homem bonito. Este senhor está num outro patamar muito diferente ;)
Ainda bem que gostaste :)