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Florença é uma cidade de pormenores, pensou, enquanto deixava o olhar alongar-se novamente pela sua pequenez pacata.
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A primeira impressão que tivera, quando largara o comboio em Santa Maria Novella, fora a de que a cidade vivia apertada, voltada para dentro de si própria mas que, ao mesmo tempo, não deixava de ser convidativa e acolhedora. Um aparente paradoxo insolúvel.
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A primeira impressão que tivera, quando largara o comboio em Santa Maria Novella, fora a de que a cidade vivia apertada, voltada para dentro de si própria mas que, ao mesmo tempo, não deixava de ser convidativa e acolhedora. Um aparente paradoxo insolúvel.
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Alguns dias mais tarde deslindou o paradoxo, enquanto deambulava pela enésima vez através do seu empedrado medieval. Florença bastava-se a si própria e não tinha, por isso, qualquer motivo para não se encerrar ao mundo, como uma caixinha de jóias antiga e preciosa, que não apresenta segredos intrincados no seu mecanismo de abertura mas que, ainda assim, ou por causa disso mesmo, se resguarda dos primeiros olhares com um pudor recatado.
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Porque Florença, acreditava, demoraria uma eternidade para ser apreciada e, ao mesmo tempo, podia ser decifrada num breve instante, logo após a largada do comboio.
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Como uma menina inocente envolta em mil saiotes ricamente adornados, que tenta a todo o custo parecer adulta mas que se trai de imediato na primeira impressão.
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Nas suas fachadas, nas suas esquinas, nas suas ruas estreitas e anciãs, no mais corriqueiro dos seus recantos, Florença foi abençoada com tal profusão de genialidade, que seria preciso um interminável palácio de memórias semelhante ao do Doutor Lecter, para fixar no carbono do seu ser a multiplicidade de detalhes da Cità Bella. Felizmente existem a prata e o seu nitrato, capazes de gravar para a posteridade essa riqueza de pormenores.
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A máquina (que já não usa o metal precioso mas que não poderia existir sem a sua nobre ascendência) dispara a uma média de 100 vezes por dia. E ela sente-se um pouco como aqueles turistas japoneses que só vêem onde estiveram quando regressam a casa. Por isso, respira fundo e não se deixa vencer pelo atropelo da tecnologia nem pela voracidade dos estímulos sensoriais.
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Respira. E sente a cidade. Deambula por pedras que em tempos longínquos foram pisadas por Dante, por Médicis vários, por Michelangelo, Leonardo, Giotto, Botticelli, Rafael, Donatello. Mas em vez de se sentir esmagada pelo peso de tanta genialidade, sente antes que um par de asas esculpidas primorosamente na dura pedra feita manteiga por mãos mágicas, se lhe agarram à imaginação.
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Sente-se leve. A genialidade, descobre, confere a quem a contempla, ao invés do esperado peso esmagador da estupefacção, uma maravilhosa leveza diáfana.
Em Florença se apercebeu disso.
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