terça-feira, 19 de janeiro de 2010

MORMORIOS DI FIRENZE III

O Encontro das Estátuas
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A Estátua abriu caminho por entre a multidão que se aglomerava próximo da entrada da Galleria dell'Accademia. Era jovem e inexperiente. Não calculou bem a distância que separava o seu pé do degrau mais próximo e caiu estatelada no meio do chão. Só não empalideceu porque fora esculpida em mármore de carrara e já era pálida por natureza. Esbracejou sem dignidade nenhuma na pedra fria e ergueu-se de novo, um moinho de braços e pernas descoordenados girando no ar.
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Sentiu um arrepio. Aquele contacto súbito com a pedra dura do chão fê-la encolher-se de asco e franzir o sobrolho.
Imaginemos por momentos que esbarramos contra alguém imundo, um vagabundo que deambula pelas ruas sem nunca conhecer um banho reparador, e que a nossa pele toca na pele desse alguém. Que faríamos? Que sentiríamos? Nojo. E fugiriamos rapidamente desse contacto, resguardando-nos no interior dessa esfera invisível que todos transportamos connosco e que constitui o nosso Eu.
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Pois, assim sucedeu com esta Estátua, quando tombou no chão e sentiu a pedra, suja por milhares de solas de sapatos, e gasta pelo peso de milhares de corpos ao longo dos anos, contra o seu mármore nobre e polido, quase aveludado.
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Ninguém reparou, claro. Em Florença existem tantas estátuas espalhadas por todo o lado que, se uma delas começar a caminhar sozinha pelas ruelas medievais, ninguém se apercebe disso.
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Talvez a menina encostada à porta da loja de chocolates tenha puxado a saia da mãe e falhado a direcção da barra de chocolate negro que segurava na mão, e que foi embater no nariz em vez de entrar na boca, sujando-lhe o pequenino apêndice de cacau derretido. Talvez ela fosse a única testemunha, mas enfim, não importa.
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E para onde se dirigia a Estátua? Para um encontro secreto na Piazza Della Republica, mais concretamente no Caffé Le Giubbe Rosse.
Lá esperava-a outra estátua, impaciente.
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Esta era bem mais pequena que a primeira e o seu semblante encontrava-se ainda mais franzido do que era costume. Havia duas razões para isto: Michelangelo detestava atrasos de qualquer espécie (a não ser os dele próprio, claro está) e, pior ainda, vivia transtornado com a ideia de não ter sido ele próprio a esculpir-se. Era frequente ouvi-lo murmurar entredentes "porca miseria!", referindo-se ao estado deplorável de alguns pormenores do seu corpo.
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No entanto, quando David chegou finalmente ao Giubbe, Michelangelo animou-se e pareceu subitamente rejuvenescer. Olhar uma das suas obras-primas animava-lhe sempre o dia.
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