Capítulo 8. UM DESSES LONGOS E MISTERIOSOS CONCILIÁBULOS
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“Bem … todos os artistas são assim … obcecados com qualquer coisa. Não me faz confusão nenhuma que ele tenha desperdiçado dezassete anos de vida num livro. O Tolstoi não demorou dez a escrever Guerra e Paz?”
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“A sala de Ana Pavlova enchia gradualmente. A nata de Petersburgo chegava, pessoas muito diferentes em idade e carácter mas semelhantes pelo facto de pertencerem à mesma classe da sociedade. A filha do Príncipe Vasili, a formosa Hélène, veio buscar o seu pai para a festa do embaixador. Envergava um vestido de baile e o seu emblema de dama de honor. Depois havia a jovem pequena Princesa Bolkonsky, conhecida com la femme la plus séduisante de Pétersbourg. Tinha-se casado no passado Inverno, e agora, devido à sua condição, tinha deixado de aparecer em grandes eventos mas ainda frequentava pequenas recepções. O filho do Príncipe Vasili, Príncipe Hippolyte, chegou com Mortemart, que apresentou a todos. O Abade Morio e muitos outros também compareceram.” (40)
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“Sim, Emily, mas repare – Guerra e Paz é um romance que toda a gente consegue ler. É um grande clássico, complexo, histórico, profundo, mas continua a ser uma história contada por alguém que sabe contar histórias. Enquanto que o Wake é uma coisa impossível de entender.”
“Bem, mas a culpa não é dele, não é verdade? Que culpa tem ele que nós não consigamos ser suficientemente inteligentes para entendê-lo? O problema é nosso.”
John soltou uma suave gargalhada.
“Realmente … você agora fez-me pensar no Einstein.”
“O que tem o Einstein?”, remexeu-se na cadeira porque ciência não era com ela.
“Se Einstein pensasse como eu penso, nunca teria formulado a sua Teoria da Relatividade Restrita e tudo quanto lhe sucedeu, porque na altura os seus conceitos de espaço e tempo eram absolutamente revolucionários. Ainda o são, hoje em dia. Nem sequer se ensinam essas coisas no liceu. A teoria predominante continua a ser a clássica, ou de Newton.”
“Ora aí tem. Um belo exemplo. E isso não significa que ele não esteja certo, pois não? Nós é que somos demasiado burros para o compreender. Talvez se passe o mesmo com Joyce. Talvez ele tenha escrito algo demasiado avançado para o seu tempo, mas que na sua cabeça fosse relativamente simples, ou pelo menos muito mais simples do que para nós.”
Durante um longo momento, John não disse nada, depois acrescentou:
“Ou talvez os críticos tenham razão e seja mesmo uma colossal partida, apenas.”
“Duvido que um homem inteligente perdesse dezassete anos de vida a tentar pregar a partida perfeita. Qual seria o objectivo?”, teimou.
“Os génios não precisam de objectivos ou, pelo menos, os seus objectivos ou justificações não têm que ser semelhantes aos nossos, não lhe parece?”
“De qualquer das maneiras, não fico convencida. Acho que o Wake foi a sua grande obra-prima. E acho que ele muito provavelmente não morreu satisfeito com o trabalho realizado. E se calhar é por isso que se manteve intragável. Porque não foi aperfeiçoado até onde deveria ter sido. Ou se calhar porque serão precisos tantos anos para compreendê-lo, quantos os que ele gastou a escrevê-lo.”
John farejou-a durante longos momentos, mais uma vez, reflectindo sobre a sua teimosia em persistir na linha de pensamento em que acreditava e não se conseguiu abster de sorrir interiormente. Agradava-lhe esta característica da sua personalidade. Depois apenas disse:
“Acabamos por hoje, Emily.”
“Tenho uma dúvida …”, disse, hesitante.
“Sim, diga.”, ele levantou a cabeça, convidando-a a expôr a sua dúvida.
“O que é um quark?”
John sorriu.
“Às vezes pergunto-me se o mundo inteiro não estará todo interligado, como defendem os budistas. Sabe porquê?”
“Não.”
“Ainda há pouco o Joyce me fez lembrar Einstein e agora você fala-me de quarks.”
Emily não estava a perceber nada.
“Um quark é a partícula mais pequena que os físicos consensualizaram em classificar. Aprendeu o que são átomos no liceu, não aprendeu?”
“Sim …”, odiava física e química e tudo quanto lhe estivesse relacionado.
“Muito bem. E lembra-se de certeza que os átomos são constituídos por electrões, protões e neutrões.”
Sim, lembrava-se vagamente de algo do género.
“Até há uns 40 anos atrás pensava-se que essas eram as partículas mais pequenas da matéria. Que eram indivisíveis, ou seja, que não poderia haver nada mais pequeno do que elas. Mas por volta dos anos 60, vários cientistas começaram a realizar uma série de experiências e chegaram à conclusão que havia partículas ainda mais pequenas. Os quarks são a partícula mais pequena de todas, juntamente com os leptões, apesar de nunca terem sido isolados. Convencionou-se que assim era.”
“Mas … o que é que o Joyce tem a ver com isso tudo?”
“Precisamente porque o nome quark foi retirado do Finnegans Wake pelo físico Gell-Mann para nomear essas partículas. Ele achou graça ao nome. Joyce usou essa palavra na frase ‘Three quarks for Muster Mark’, cantada por um coro de pássaros e provavelmente significa ‘três vivas’ ou gracejos.”
“Percebo.”
“Quem se segue … na pesquisa?”
“Que tal a Charlotte?”
Levantou-se.
“E, Emily …”
“Sim?”
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“A sala de Ana Pavlova enchia gradualmente. A nata de Petersburgo chegava, pessoas muito diferentes em idade e carácter mas semelhantes pelo facto de pertencerem à mesma classe da sociedade. A filha do Príncipe Vasili, a formosa Hélène, veio buscar o seu pai para a festa do embaixador. Envergava um vestido de baile e o seu emblema de dama de honor. Depois havia a jovem pequena Princesa Bolkonsky, conhecida com la femme la plus séduisante de Pétersbourg. Tinha-se casado no passado Inverno, e agora, devido à sua condição, tinha deixado de aparecer em grandes eventos mas ainda frequentava pequenas recepções. O filho do Príncipe Vasili, Príncipe Hippolyte, chegou com Mortemart, que apresentou a todos. O Abade Morio e muitos outros também compareceram.” (40)
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“Sim, Emily, mas repare – Guerra e Paz é um romance que toda a gente consegue ler. É um grande clássico, complexo, histórico, profundo, mas continua a ser uma história contada por alguém que sabe contar histórias. Enquanto que o Wake é uma coisa impossível de entender.”
“Bem, mas a culpa não é dele, não é verdade? Que culpa tem ele que nós não consigamos ser suficientemente inteligentes para entendê-lo? O problema é nosso.”
John soltou uma suave gargalhada.
“Realmente … você agora fez-me pensar no Einstein.”
“O que tem o Einstein?”, remexeu-se na cadeira porque ciência não era com ela.
“Se Einstein pensasse como eu penso, nunca teria formulado a sua Teoria da Relatividade Restrita e tudo quanto lhe sucedeu, porque na altura os seus conceitos de espaço e tempo eram absolutamente revolucionários. Ainda o são, hoje em dia. Nem sequer se ensinam essas coisas no liceu. A teoria predominante continua a ser a clássica, ou de Newton.”
“Ora aí tem. Um belo exemplo. E isso não significa que ele não esteja certo, pois não? Nós é que somos demasiado burros para o compreender. Talvez se passe o mesmo com Joyce. Talvez ele tenha escrito algo demasiado avançado para o seu tempo, mas que na sua cabeça fosse relativamente simples, ou pelo menos muito mais simples do que para nós.”
Durante um longo momento, John não disse nada, depois acrescentou:
“Ou talvez os críticos tenham razão e seja mesmo uma colossal partida, apenas.”
“Duvido que um homem inteligente perdesse dezassete anos de vida a tentar pregar a partida perfeita. Qual seria o objectivo?”, teimou.
“Os génios não precisam de objectivos ou, pelo menos, os seus objectivos ou justificações não têm que ser semelhantes aos nossos, não lhe parece?”
“De qualquer das maneiras, não fico convencida. Acho que o Wake foi a sua grande obra-prima. E acho que ele muito provavelmente não morreu satisfeito com o trabalho realizado. E se calhar é por isso que se manteve intragável. Porque não foi aperfeiçoado até onde deveria ter sido. Ou se calhar porque serão precisos tantos anos para compreendê-lo, quantos os que ele gastou a escrevê-lo.”
John farejou-a durante longos momentos, mais uma vez, reflectindo sobre a sua teimosia em persistir na linha de pensamento em que acreditava e não se conseguiu abster de sorrir interiormente. Agradava-lhe esta característica da sua personalidade. Depois apenas disse:
“Acabamos por hoje, Emily.”
“Tenho uma dúvida …”, disse, hesitante.
“Sim, diga.”, ele levantou a cabeça, convidando-a a expôr a sua dúvida.
“O que é um quark?”
John sorriu.
“Às vezes pergunto-me se o mundo inteiro não estará todo interligado, como defendem os budistas. Sabe porquê?”
“Não.”
“Ainda há pouco o Joyce me fez lembrar Einstein e agora você fala-me de quarks.”
Emily não estava a perceber nada.
“Um quark é a partícula mais pequena que os físicos consensualizaram em classificar. Aprendeu o que são átomos no liceu, não aprendeu?”
“Sim …”, odiava física e química e tudo quanto lhe estivesse relacionado.
“Muito bem. E lembra-se de certeza que os átomos são constituídos por electrões, protões e neutrões.”
Sim, lembrava-se vagamente de algo do género.
“Até há uns 40 anos atrás pensava-se que essas eram as partículas mais pequenas da matéria. Que eram indivisíveis, ou seja, que não poderia haver nada mais pequeno do que elas. Mas por volta dos anos 60, vários cientistas começaram a realizar uma série de experiências e chegaram à conclusão que havia partículas ainda mais pequenas. Os quarks são a partícula mais pequena de todas, juntamente com os leptões, apesar de nunca terem sido isolados. Convencionou-se que assim era.”
“Mas … o que é que o Joyce tem a ver com isso tudo?”
“Precisamente porque o nome quark foi retirado do Finnegans Wake pelo físico Gell-Mann para nomear essas partículas. Ele achou graça ao nome. Joyce usou essa palavra na frase ‘Three quarks for Muster Mark’, cantada por um coro de pássaros e provavelmente significa ‘três vivas’ ou gracejos.”
“Percebo.”
“Quem se segue … na pesquisa?”
“Que tal a Charlotte?”
Levantou-se.
“E, Emily …”
“Sim?”
“Cuidado com os professores de Literatura.”
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(40) Guerra e Paz – Leo Tolstoy
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