segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

EM MINHA CASA, NA PONTA DOS PÉS 30 (cont.)

Capítulo 8. UM DESSES LONGOS E MISTERIOSOS CONCILIÁBULOS

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Pensou e repensou no que ele lhe dissera, sem perceber se fora uma advertência ou uma espécie de ameaça. Aquilo fora dito no seu habitual tom paternalista e sarcástico e Emily nunca conseguia perceber, a não ser a posteriori, se ele estava a falar a sério ou se lançava aquelas frases à toa, só para a picar.
À hora do almoço, esperou que todos saíssem e regressou à sua pesquisa no computador da biblioteca, desta vez para procurar saber mais informações sobre Charlotte Brontë. Claro que acabou por se embrenhar em todas as irmãs Brontë e quando deu por si, tinha de novo o professor inclinado sobre o seu ombro, hoje ainda mais próximo do seu rosto do que no dia anterior.
Ele sorria-lhe, um sorriso que lhe erguia as maçãs do rosto até lá acima, vincando-lhe os papos dos olhos em socalcos ainda mais profundos e franzindo-lhe o nariz abatatado. Reparou também que cheirava um pouco a álcool e que estava bastante comunicativo, enquanto se dirigiam para um dos cafés da universidade, em frente da biblioteca, do outro lado da praça rectangular. Contornaram o quadrado verde de relva bem aparada e entraram no café, ainda cheio de alunos. Emily reparou que muitas cabeças se viraram discretamente, enquanto os dois tomavam os seus lugares numa mesa junto da janela, observando-os com curiosidade. Não se dava com ninguém, para além do pessoal da biblioteca e de um ou outro aluno mais marrão, por isso, sabia que aqueles olhares significavam que os seus observadores se interrogavam sobre quem seria a jovem que acompanhava o professor. Mas não se importou muito com eles, precisamente porque não conhecia ninguém. Quanto ao professor, parecia-lhe absolutamente abstraído do resto do mundo, enquanto dissertava sobre Joyce e o seu Wake.
Prestou pouca atenção ao que ele dizia. As suas palavras não eram simples, como as de John, nem a sua voz exercia sobre ela o mesmo efeito hipnotizador que a voz dele conseguia, provavelmente porque, ao contrário de John, Hesse falava demasiado, contorcendo-se em espirais de frases rebuscadas compostas por palavras demasiado complicadas para a sua compreensão. Limitou-se a sorrir e abanar a cabeça, enrolando por vezes uma madeixa de cabelo num dedo e mais preocupada em discernir através da sua visão periférica os olhares que provocava no café, do que em tentar perceber em que direcção esvoaçavam as ridículas moscas varejeiras dentro daquele frasco de compota enjoativo.
Felizmente que aquele breve interlúdio passou rapidamente e ela teve que desculpar-se com o regresso ao trabalho. Hesse, no entanto, não desistiu e acompanhou-a de novo até à biblioteca, não interrompendo nem por um segundo a sua incessante verborreia e prolongando-a mesmo quando Emily já se sentara no seu lugar, desejosa de voltar às suas aborrecidas mas silenciosas fichas de leitura. Despediu-se, finalmente, quando Amanda os interrompeu para colocar uma questão a Emily, e ela nunca abençoou tanto a presença da tonta companheira como nessa tarde.

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