gkçfkg
Lisboa chovia. A potes. Mas não era só Lisboa que chovia. Ela também.
Só reparei quando a rapariga se aproximou e lhe perguntou se estava na fila para apanhar o autocarro. Depois apoiou a mão no seu braço e perguntou-lhe se estava tudo bem. Ela virou a cara e afastou-se uns milímetros, o suficiente para se resguardar da intromissão. Ficou assim, entre o abrigo perigoso da paragem e o dilúvio libertador, enquanto as lágrimas lhe continuavam a escorrer pelo rosto.
Era um rosto bem vincado, anguloso e moreno, como são todos os rostos índios. O cabelo comprido e já levemente grisalho escorria pelas costas abaixo num rabo de cavalo desgrenhado. Trazia uma gabardine cor de vinho que lhe cobria o corpo até meio das pernas, umas calças cinzentas de flanela que podiam ser de homem e uns sapatos pretos com atacadores, enfiados nuns pés pequenos. Mas ela era grande, alta e forte. E as lágrimas não paravam, não havia maneira de pararem ...
Assoou-se ruidosamente. Estive quase, quase a perguntar-lhe se precisava de ajuda. Mas na eternidade que durou esse quase ... o autocarro chegou e entrámos. Sentou-se lá à frente e continuou a chorar, enquanto observava as lágrimas da cidade que caíam lá fora, sem se importar com nada nem ninguém, nem com a senhora idosa que ia ao seu lado.
Algumas paragens depois a velhota levantou-se e enquanto se preparava para sair murmurou-lhe apenas "Coragem", levantando as sobrancelhas com um ar preocupado mas resignado, de quem já soube vezes demasiadas que chove sempre quando menos esperamos.
Depois foi a vez do senhor, também de idade, que entrou e ia instalar-se mas ficou no meio termo, com o saco pousado no lugar onde era suposto sentar-se, ao seu lado, quando reparou no dilúvio. Observou-a com pudor, sem saber o que fazer. Depois murmurou-lhe também qualquer coisa. Apenas percebi algo como "está a chorar". Mas as lágrimas não pararam e ele afastou-se e saiu.
O dilúvio continuou, lá fora e cá dentro. Ela não saiu no aeroporto, como já calculava. É que ela era bem terrena, entendem? E o aeroporto é aquela história que já conhecem ... E a água na terra ensopa e incha, até transbordar.
Quando saí, o dilúvio continuava. Em Lisboa e dentro do autocarro. E dentro de mim pensei que mesquinhos são por vezes os nossos pequenos problemas existenciais, comparados com os de alguém que não se importa sequer de chover diante de toda a cidade.
Lisboa chovia. A potes. Mas não era só Lisboa que chovia. Ela também.
Só reparei quando a rapariga se aproximou e lhe perguntou se estava na fila para apanhar o autocarro. Depois apoiou a mão no seu braço e perguntou-lhe se estava tudo bem. Ela virou a cara e afastou-se uns milímetros, o suficiente para se resguardar da intromissão. Ficou assim, entre o abrigo perigoso da paragem e o dilúvio libertador, enquanto as lágrimas lhe continuavam a escorrer pelo rosto.
Era um rosto bem vincado, anguloso e moreno, como são todos os rostos índios. O cabelo comprido e já levemente grisalho escorria pelas costas abaixo num rabo de cavalo desgrenhado. Trazia uma gabardine cor de vinho que lhe cobria o corpo até meio das pernas, umas calças cinzentas de flanela que podiam ser de homem e uns sapatos pretos com atacadores, enfiados nuns pés pequenos. Mas ela era grande, alta e forte. E as lágrimas não paravam, não havia maneira de pararem ...
Assoou-se ruidosamente. Estive quase, quase a perguntar-lhe se precisava de ajuda. Mas na eternidade que durou esse quase ... o autocarro chegou e entrámos. Sentou-se lá à frente e continuou a chorar, enquanto observava as lágrimas da cidade que caíam lá fora, sem se importar com nada nem ninguém, nem com a senhora idosa que ia ao seu lado.
Algumas paragens depois a velhota levantou-se e enquanto se preparava para sair murmurou-lhe apenas "Coragem", levantando as sobrancelhas com um ar preocupado mas resignado, de quem já soube vezes demasiadas que chove sempre quando menos esperamos.
Depois foi a vez do senhor, também de idade, que entrou e ia instalar-se mas ficou no meio termo, com o saco pousado no lugar onde era suposto sentar-se, ao seu lado, quando reparou no dilúvio. Observou-a com pudor, sem saber o que fazer. Depois murmurou-lhe também qualquer coisa. Apenas percebi algo como "está a chorar". Mas as lágrimas não pararam e ele afastou-se e saiu.
O dilúvio continuou, lá fora e cá dentro. Ela não saiu no aeroporto, como já calculava. É que ela era bem terrena, entendem? E o aeroporto é aquela história que já conhecem ... E a água na terra ensopa e incha, até transbordar.
Quando saí, o dilúvio continuava. Em Lisboa e dentro do autocarro. E dentro de mim pensei que mesquinhos são por vezes os nossos pequenos problemas existenciais, comparados com os de alguém que não se importa sequer de chover diante de toda a cidade.
1 comentário:
"Cada lágrima ensina-nos uma verdade"
Ugo Fóscolo
Adorei a verdade óculta da sua história.
Enviar um comentário