quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

PSICANÁLISE VI


Charlie, ajuda-me.
A minha vida transformou-se ultimamente num filme surrealista, sem pés nem cabeça. Não necessariamente mau, mas ainda assim estranho.
Porque é que quando decidimos ficar encolhidos num canto, quietos e sem fazer asneiras, a vida nos puxa com mais força para fora e parece abanar-nos as coordenadas todas de rompante?
Porquê, Charlie?
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Eu sei que tu não és a pessoa mais indicada para me aconselhar. Até porque não és uma pessoa, mas um boneco animado. Mas tu entendes-me, Charlie. Eu sei que sim. És um idílico inveterado, como eu. Mas também prático e persistente, como eu.
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Desde há uns tempos que tenho cada vez mais a sensação que sou uma experiência científica. Cada um de nós tem, não um Deus, mas um cientista responsável pela nossa vida. O objectivo é cuidar dela e fazê-la durar o mais possível e o mais sabiamente possível, apesar de todas as provas que lhe são colocadas.
A mim, como não podia deixar de ser, calhou-me um pobre novato idiota, com uma imaginação desgraçada e completamente trapalhão. Charlie, ele arranja-me cada uma!
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No início "olhava" para ele maravilhada e interessada. Fazia-me bem ao ego pensar que havia alguém algures que estava a ser testemunha da minha vida (não é também para isso que serve a religião?). Depois comecei a desconfiar seriamente da sua sanidade mental. Já me zanguei e indignei com ele a sério. Já lhe chamei os piores nomes e mandei-o passear e arranjar outro rato de laboratório. Mas já percebi que isso é impossível.
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I'm stuck with him, Charlie. For better and for worse. In sickness and in health. In richness and in poverty. Until death takes me away.
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Ultimamente, o tipo tem-se superado à larga. Já conseguiu pôr-me a berrar sozinha pró tecto "Só te ris de mim um dia no máximo! Mais do que isso, não!"
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Charlie, tu sabes do que falo. Foste criado por um tipo americano chamado Charles Schulz que provavelmente te fez à sua imagem e estás condenado a dizer, pensar e fazer aquilo que ele muito bem entender.
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Este gajo é doido varrido e começo a temer seriamente pela minha integridade. O que é que ele pretende? Eu sei, Charlie, sei que é pôr-me à prova, fazer-me passar por uma data de testes e brilhar numa qualquer reunião intergaláctica de cientistas tão ou mais loucos que ele. E devo acrescentar em meu abono que o tipo devia estar orgulhoso de mim, porque tenho aguentado com estoicismo e ainda não enlouqueci clinicamente.
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Charlie, não sei o que hei-de fazer. Eu sou forte, mas às vezes não é uma questão de força. E porque é que só quando deixamos de acreditar nas coisas é que elas aparecem de repente, como se tivessem estado desde sempre escondidas atrás da porta à espera que deixássemos de as procurar?
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E o que é que se faz quando se passou uma vida inteira a escutar até o som do silêncio, mas quando um anjo nos sussurra ao ouvido, já aprendemos a falar tão alto para que nos conseguíssemos fazer ouvir, que não o distinguimos dos ruídos de fundo que nos cercam?
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Enfim, Charlie. Eu sei que tu compreendes estas minhas dúvidas existenciais. E sei que sabes que, apesar de todas as incongruências da vida, estou feliz. Como tu. Nos últimos tempos tenho-me sentido feliz por nenhuma razão, por nada que me tivesse acontecido, porque estava quieta no meu canto. E isso acho que é o mais importante.
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